Minas investiga contratos e aparelhamento político na Cemig
CPI local tenta compreender os objetivos da mistura de interesses do governo Zema e do Partido Novo com os da empresa de energia, uma das maiores do país
Em Minas Gerais, uma Comissão Parlamentar de Inquérito tenta compreender os objetivos da mistura de interesses do governo Romeu Zema, candidato à reeleição, e do seu Partido Novo com os da Cemig, uma das principais empresas de energia.
O governo Zema promoveu um aparelhamento político da empresa, constatou a CPI. O Partido Novo escolheu até o presidente com apoio da consultoria que havia contratado em 2018 para selecionar seus candidatos na eleição estadual e, depois, os integrantes da equipe de governo.
Desde então, a Cemig adotou como norma as contratações de serviços com dispensa de licitação. Cerca de duas dezenas de contratos estão sendo revisados, alguns assinados depois da execução. As despesas ultrapassam R$ 2 bilhões.
Pelo menos R$ 1 bilhão foram gastos num pacote de 14 contratos com a IBM para “transformação digital” da empresa de energia. Não houve concorrência, sob o argumento de “inexigibilidade de licitação” por suposta urgência — o prazo dos serviços contratados é de dez anos.
O acordo Cemig-IBM prevê a operação de um centro de atendimento aos consumidores de eletricidade. Uma concorrência chegou a ser aberta, em fevereiro de 2020, vencida pela empresa local que já operava o call center. A IBM subcontratou a segunda colocada na disputa, a AeC, fundada por um ex-secretário do governo Zema.
Para o governo estadual, a Cemig e a IBM os contratos não permitem contestações porque foram feitos de maneira adequada à Lei das Estatais, aos regulamentos internos e validados por unanimidade no conselho de administração da empresa de energia.
Na CPI, Marcelo Flores de Moura, vice-presidente de Consultoria da IBM Brasil, não quis dar detalhes sobre os prazos e os valores da subcontratação da empresa de call center. “O melhor era manter o fornecedor de atendimento telefônico, para não causar uma disrupção no serviço”, alegou.
O relator, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), ironizou: “A gente já conhecia o ‘ganhou, mas não levou’. A Cemig criou um novo paradigma na Cemig: ‘Perdeu, mas levou.’ Na prática, firmaram uma parceria que vai permitir à Cemig ficar livre dessa chatice chamada licitação, pois basta a Cemig indicar, que a IBM vai contratar.”
Outra contratada sem licitação foi a Kroll, agência internacional de investigações corporativas. Numa madrugada de dezembro do ano passado, agentes dessa empresa, acompanhados de uma assistente do Departamento Jurídico, vasculharam escritórios, vistoriaram e extraíram informações dos computadores da administração da Cemig.
Aliados do governo na assembleia alegaram que a Kroll atendia a “exigências do Ministério Público por investigação externa de um rombo no setor de compras”. Questionado na CPI, o diretor jurídico da Cemig, Eduardo Soares, não foi muito claro na justificativa. Limitou-se a dizer que, desde 2019, a empresa possui “um acordo de cooperação” com autoridades dos Estados Unidos para esse tipo de circunstância.
A Cemig é uma sociedade de economia mista sob controle (17,04%) do governo de Minas. Tem ações negociadas nas bolsas de São Paulo (B3), Nova York e Madri, e cerca de 200 mil investidores em mais de 30 países. Encerrou o primeiro semestre com lucro acima de R$ 2 bilhões.
A CPI já coleciona evidências de aparelhamento político da empresa promovido pelo governo Zema. Agora, analisa contratos de serviços sob suspeita de interferência, e até intermediação, de dirigentes da seção mineira do Partido Novo.
* Na versão inicial deste texto o cargo de vice-presidente de Consultoria da IBM foi, erroneamente, atribuído a Wantuil Teixeira, que é funcionário da Cemig. O vice da IBM é Marcelo Flores de Moura, como consta da versão acima, corrigida.