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Lula perdeu, os argentinos pobres preferiram ‘El loco’ Milei

Ecoando Alberto Fernández e Cristina Kirchner, Lula apostou que o "inimigo" eram os liberais moderados de Mauricio Macri. Deu Milei na cabeça

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 22h48 - Publicado em 15 ago 2023, 09h00

Lula perdeu. Apostou todas as suas fichas na vitória do candidato peronista do governo de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner na votação prévia às eleições presidenciais da Argentina, quando os eleitores consolidam suas preferências para a eleição de outubro (é preciso o mínimo de 1,5% dos votos para um partido ter direito a disputar a presidência).

Deu na cabeça a extrema-direita comandada pelo economista Javier Milei, de 52 anos, deputado conhecido como “El loco” (O louco), apelido que justificado pelo repertório de extravagâncias que moldam sua biografia.

Ele diz “conversar” direta e frequentemente com Deus, de quem teria recebido a “missão” de salvar a Argentina do “mal”. Jair Bolsonaro, com nuances, recitava o mesmo catecismo.

Nem por isso são tipos incomuns na galeria política latina. O ditador da Venezuela Nicolás Maduro, por exemplo, costuma relatar em público “encontros” com Hugo Chávez, o ditador que o nomeou sucessor. Acontece, segundo ele, tanto nas suas visitas noturnas ao mausoléu onde Chávez está desde 2013, quanto no café matinal quando o falecido coronel “aparece” sob as penas de algum passarinho.

Milei está convencido de que vai ganhar a disputa presidencial argentina em outubro, avisa o repórter Juan Luis González, autor de uma curiosa biografia recém-lancada de “El loco” — título do livro. A bordo de de um partido criado há dois anos (La Libertad avança), o deputado venceu (com 30%) as eleições primárias, obrigatórias, simultâneas e abertas para os 35 milhões de eleitores argentinos — um terço preferiu ficar em casa.

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Mais notável do que o riso amarelo dos adversários com o resultado foi o apoio da maioria empobrecida dos argentinos ao economista liberal autoproclamado “anarcocapitalista” e nostálgico do seu cachorro morto em 2017. Ele encontrou um jeito de “reencarnar” o amigo cão Conan, homenagem ao Bárbaro criado em 1932 pelo escritor americano Robert E. Howard: mandou cloná-lo nos Estados Unidos e vive com as cópias certificadas, às quais nomeou em homenagem a seus economistas prediletos, teóricos do liberalismo: Milton (alusão a Friedman), Murray (Rothbard) Robert e Lucas (Robert Lucas).

Foram os pobres que impulsionaram Milei com o voto de protesto contra a degradação social e econômica, expressa na meteórica inflação (em dezembro estava em 96%, em junho chegou a 115% ao ano). Nesse campeonato, a Argentina só perde para a Venezuela de Maduro (160%).

Os argentinos parecem fartos da recessão e instabilidade constante nas últimas quatro décadas, desde a derrota militar para a Inglaterra na Guerra das Malvinas. Foram seis programas nacionais de controle de preços nas últimas dez Copa do Mundo. Nenhum deu certo, mas os governos peronistas e liberais moderados continuaram insistindo.

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A Argentina é um dos poucos países que sustenta uma taxa de pobreza (36% da população) maior que possuía há 40 anos. O país mantém-se aprisionado num histórico de regressão: em 1960 detinha 38% do produto Interno Bruto da América do Sul, agora possui apenas 15%.

Milei serviu como estuário da bronca eleitoral. Ele promete a “redenção” econômica com um receituário radical: substituir de vez o peso pelo dólar, acabar com o Banco Central e vender todas as empresas estatais, cujo prejuízo operacional mais do que dobrou desde 2019 (saltou de 1,7 para 5 bilhões de dólares no ano passado). Também promete liberar tudo, das armas à venda de órgãos humanos.

Não se viu encanto com as ideias exdrúxulas de Milei, mas nas urnas sobrou insatisfação com peronistas de Alberto Fernández e Cristina Kirchner e a direita moderada do ex-presidente Mauricio Macri.

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O resultado deixou todos atônitos. Até em Brasília, onde Lula passou os últimos seis meses empenhado em ajudar a campanha eleitoral do governo peronista. Pediu socorro à China, não conseguiu. Criticou o FMI, sem êxito. Mandou uma forma de emprestar dinheiro diretamente, mas não foi possível.

Numa reunião de cúpula em Paris, culpou o governo e até insinuou corrupção de Macri como a causa da crise para obter repercussão em Buenos Aires: “À Argentina, da forma mais irresponsável, o FMI emprestou 44 bilhões de dólares a um senhor [Macri] que era o presidente, que não se sabe o fez com o dinheiro”, disse.

Lula, ecoando Fernández e Kirchner, apostou que o “inimigo” eram os liberais moderados comandados por Macri. Perdeu. Os liberais de Macri ficaram em segundo lugar (com 28% da votação) e os peronistas  apareceram em terceiro (27%). Deu o “loco” Milei na cabeça.

A direita argentina fez maioria nas urnas. Se confirmada nas urnas de outubro, a política externa de Lula para a América do Sul, que já é contestada no Chile, na Colômbia e no Uruguai, deve terminar o ano à deriva.

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