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Ironias

Trump aposta no Estado hiperativo para reanimar o 'espírito animal'

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 abr 2025, 16h49 - Publicado em 11 abr 2025, 06h00

Donald Trump converteu o comércio mundial em arma de destruição de riqueza. É irônico que um empresário da elite nova-iorquina convença seu país a apostar no elixir do Estado hiperativo e protecionista para reanimar o “espírito animal” do capitalismo americano.

É notável o sarcasmo embutido na reação do maior competidor dos Estados Unidos. A China comunista ergueu uma muralha global para defender o sistema de livre comércio, base da teoria do liberalismo lapidada pelo economista escocês Adam Smith há 250 anos. O renascimento da China é recente pelo padrão ocidental. Na perspectiva da potência asiática, o tempo é diferente: por conveniência, até a Revolução Francesa pode ser entendida como moderna demais para avaliações.

Em 1989, enquanto a Rússia soviética desmoronava, a China comunista começava um ciclo de crescimento com a economia absolutamente controlada pelo Estado. O Brasil celebrava sua primeira eleição presidencial direta depois de 21 longos anos de ditadura. Luiz Inácio Lula da Silva estreava como candidato do Partido dos Trabalhadores, um reduto de frações da esquerda que aparentavam mais incômodo com o eco do triunfo da democracia liberal do que com as causas e sequelas do desabamento do império comunista.

Lula se destacava entre 22 candidatos com o projeto de um Estado mais hiperativo e protecionista numa economia que já era fechada e cuja indústria adernava por falta de fôlego tecnológico. Resquícios da recém-falida matriz de planificação soviética permeavam a proposta de governo que previa, literalmente, o “controle das atividades” de empresas nacionais e estrangeiras — desde as importações de insumos à formação de preços ao consumidor. E advertia: o governo poderia “recorrer à centralização do câmbio e do comércio exterior”.

Somente maliciosos dariam realce a aspectos da identidade de Lula e Trump, que por sinal se detestam. Malícia faz parte do jogo político e, no Congresso, há quem veja coincidências na essência de algumas ideias, como no respaldo à nostalgia imperial de Vladimir Putin com seu expansionismo na Ucrânia.

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“Trump aposta no Estado hiperativo para reanimar o ‘espírito animal’ ”

As divergências, no entanto, começam a sobressair nessa guerra comercial global deflagrada por Trump. No governo brasileiro, assim como no PT, não se nega simpatia pelas ofertas alternativas apresentadas por Pequim, mas refuta-se a possibilidade de uma escolha, ao menos de forma explícita. O tarifaço dos EUA está ajudando a desinibir conversas sobre associações industriais e de infraestrutura em direção a portos do Pacífico, do tipo que Brasília gosta de chamar de “estratégicas”. Podem ser definidas em semanas.

Haverá, também, ênfase na rota da discreta parceria com o governo chinês em múltiplos fóruns, especialmente no bloco de países conhecido como Brics, idealizado como ONU paralela e sem integrantes com visível poder de veto. No mapa do Planalto, isso tende a facilitar acordos com países asiáticos. Em paralelo, o governo brasileiro sonda alianças regionais. Revigorar o Mercosul, no momento, depende mais do interesse da União Europeia em acelerar o acordo de comércio fechado depois de duas décadas de negociações.

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Mais recente é a ideia de ressuscitar a União de Nações Sul-americanas (Unasul). Há três décadas o Itamaraty desenha uma “comunidade” de países da América do Sul. Em 2003, Lula viu a oportunidade de transformar a iniciativa num contraponto regional à primazia dos Estados Unidos na Organização dos Estados Americanos. Esse viés anti-EUA embalou ambições de liderança de Lula, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina). Chávez e Kirchner, porém, enlevaram-se no vislumbre da chance histórica de mitigar o poder regional do Brasil — dono de metade do território, da população e do produto interno bruto (PIB) da América do Sul.

Quando um dos arquitetos da ideia, o então chanceler Celso Amorim, hoje assessor de Lula, apresentou a proposta da Unasul, o coronel Chávez retrucou com a sutileza da lâmina de baioneta: “O que vocês estão propondo é uma ‘Alquita’ ” — ironia sobre uma versão menor, regionalizada, da proposta americana para criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Chávez, Lula e Kirchner haviam combinado sepultar a Alca como símbolo do imperialismo ianque.

Vinte e dois anos depois, Lula pôs na mesa o resgate da Unasul, como modelo para acordos comerciais regionais. A velha “Alquita” nunca chegou a funcionar, mas construiu duas sedes: uma no Equador, destinada à burocracia central, e a outra na Bolívia, para o Parlamento Sul-Americano. Elas custaram 200 milhões de dólares — 38% pagos pelos brasileiros.

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939

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