
O calendário avisa: faltam dezesseis meses para a eleição presidencial. Lula quer, mas não sabe se vai poder se candidatar aos 80 anos. Ele depende de condições de saúde mais favoráveis, do fim do ciclo de maré baixa nas pesquisas e, principalmente, de algum dinheiro no caixa do governo para dar garantia aos novos “programas sociais” da temporada — botijões de gás grátis e motocicletas subsidiadas, entre outros.
Aos 70, Jair Bolsonaro sonha com a volta do retrato às telas das urnas eletrônicas, as mesmas que demonizou depois de eleições vencidas durante três décadas sem nunca se queixar de fraude. Ele está inelegível até 2030. E, se confirmada nova condenação por crimes constitucionais, deve continuar fora do jogo eleitoral até o fim da vida.
Lula e Bolsonaro são os únicos políticos em atividade conhecidos por nove em cada dez eleitores, segundo as pesquisas. Vêm de uma outra época, em que a hiperinflação e a dívida externa asfixiavam ditadura; o comunismo soviético fenecia, e o capitalismo de plataforma digital era coisa de ficção literária cyberpunk cultuada em fliperama.
Lula e Bolsonaro já disputavam eleições quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, corria nas ruas de Macapá com garotos de 12 anos, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, era o festejado recém-nascido (1989) do clã Motta na Paraíba. Pertencem a mundos diferentes, com ideias, hábitos e costumes distintos, uns não necessariamente melhores que outros. Por acaso, estão no centro de uma transição geracional na política brasileira. E nessa travessia a importância dos personagens tende a ser proporcional à sua capacidade de apresentar propostas práticas e viáveis para solvência do Estado.
Governo, Congresso e Judiciário têm um encontro marcado em 2027 com a reorganização do financiamento da administração pública. A razão é simples e objetiva: acabou o dinheiro. Não importa quem seja, o vencedor da eleição presidencial do ano que vem será obrigado a enfrentar uma realidade inédita nas últimas três décadas, a crescente intolerância com o aumento da carga tributária (para 34,2% do PIB em 2024) como meio de equilibrar os orçamentos federal, estaduais e municipais.
“Há sinais de inédita intolerância com o aumento da carga tributária”
A situação fiscal se agrava, advertem os economistas do Senado. Preveem “déficits recorrentes” e “crescimento contínuo” das despesas, com o endividamento estatal conduzido a um “patamar preocupante”. Ou seja, até o próximo ano eleitoral o governo vai aumentar significativamente sua dívida (de 77,6% para 82,4% do PIB).
Os gargalos são econômicos, as soluções são políticas, lembra o ex-deputado mineiro Marcus Pestana, que dirige a Instituição Fiscal Independente, mantida pelo Senado. A saída requer negociação entre os poderes republicanos para escolhas muito além dos limites dos problemas orçamentários. São elas que vão determinar a capacidade do país em inovação tecnológica na agricultura, indústria e mineração, e definir o poder de competição em alguns segmentos com a China, os Estados Unidos, a Índia e países asiáticos em geral.
O problema é que liderança política é mercadoria cada vez mais escassa em Brasília. O governo, por exemplo, riscou no chão limites a toda e qualquer negociação antes da eleição do ano que vem. E não aceita cobranças, repete Lula, que considera uma forma de perseguição: “Todo dia se fala de déficit fiscal, déficit fiscal… Mas quem foi que se preocupou com isso no governo passado? Qual foi o empreendedor que reclamou de desrespeito ao teto de gastos naquela época?”.
Nas palavras do deputado José Guimarães (PT-CE), líder do bloco governista, em discurso na Câmara: “Nós não vamos cortar gasto daqueles que precisam do Estado. Nós podemos até fazer gastança, mas vai ser para proteger os mais pobres. Queremos, sim, é taxar essa elite econômica do Brasil”.
Faltam ao governo os meios essenciais para pôr em prática suas ideias. Entre eles, votos em quantidade suficiente no Congresso e lastro de aprovação presidencial nas pesquisas (quase dois terços dos eleitores dizem há meses que Lula não deveria tentar a reeleição).
Entre empresários prevalece a percepção de que não haverá alternativa — o Estado brasileiro vai parar. “Se nós não conseguirmos nos entender, o rombo nas contas públicas será inadministrável e insuportável”, resumiu dias atrás Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele é dos que supõem já não ser possível adiar o inevitável, e acha que vai ser necessário enfrentar o inadiável: “Se não (for) por bem (o ajuste fiscal), terá de ser por mal”.
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Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950