
A inflação ainda está aí, subindo. Como o governo não sabe o que fazer para conter preços na temporada de eleição presidencial, Lula segue no manejo de alegorias. Algumas delas:
• Frita publicamente alguns ministros e ordena elogios ao da Fazenda;
• Acena com “tudo de graça” nos programas de assistência, enquanto mantém 2 milhões de pobres na porta da Previdência Social;
• Promove reuniões para “baratear a comida”, mas, sem conclusão, joga a culpa nos “especuladores”;
• Lança mais um plano de construção naval (o quarto), enquanto discute a taxação das exportações do agronegócio.
No enlevo das ilusões desbotadas, revira o baú de velhas ideias — e, por causa delas, com frequência o governo se vê obrigado a desmentir uma opção preferencial pelo controle de preços.
Depois de três décadas em campanha permanente, Lula chegou à metade do terceiro mandato em inédito declínio na preferência eleitoral.
A vinte meses da eleição presidencial, aparece nas pesquisas em posição similar à do adversário Jair Bolsonaro no mesmo período, com a média de 43% de aprovação contra 51% de desaprovação.
Há quem veja nessa equivalência uma dose de ácida ironia do eleitorado insatisfeito, entre outras razões porque é de Bolsonaro o “Oscar” político pelo pandemônio governamental na pandemia.
Por outro ângulo, essa visão dos eleitores poderia ser interpretada de maneira mais favorável a Lula, porque o atual patamar de aprovação (cerca de 40%) não é muito distanciado da média histórica de governantes no meio do mandato.
Quem achar conveniente, pode atravessar o Carnaval discutindo ilusões, aleatoriedades e estatísticas. Será inútil se abstraída a dupla fantasmagórica que assombra o lulismo e alenta o antipetismo: inflação e insegurança pública.
O desagrado com o desempenho do governo, principalmente nessas duas áreas, conduziu o projeto de reeleição de Lula a uma zona de risco. Já flerta com a impossibilidade no mapa das pesquisas, considerando-se o longo histórico de presidentes em exercício.
“Pesquisas confirmam: o adversário de Lula é Lula e o seu maior eleitor é Bolsonaro”
Duas situações exemplares das quais Lula saiu-se beneficiário: no terceiro ano de governo, Bolsonaro estava com 38% de aprovação e perdeu a reeleição em 2022; Fernando Henrique Cardoso tinha 42% na mesma etapa e não conseguiu eleger o sucessor em 2002.
Quase sete em cada dez eleitores se dizem contrários à reeleição de Lula e, relevante, não mencionam sua idade (79 anos) como um fator decisivo. Ao contrário, quatro em cada dez sequer atribuem importância a isso, e dois em dez até julgam como fator positivo, pela experiência. “Não foi por causa da idade que o (Joe) Biden saiu do páreo”, lembra Antonio Lavareda, diretor do Ipespe. “Ele tinha 51% de aprovação em meados de 2023 e caiu para 32% em julho do ano passado.” Acrescenta: “A variável maestra da sorte de quem está no cargo é a taxa de aprovação”.
Se as pesquisas dos últimos quatro meses indicam declínio na preferência eleitoral por Lula e realçam um processo acelerado de corrosão, ainda não traduzem inviabilidade para a reeleição. Nem mesmo sinalizam a conversão dessa crescente rejeição em alguma coisa além de um simples alento para a oposição que se deixou aprisionar pelo ruidoso, mas inelegível Bolsonaro.
A mensagem transparece clara e objetiva: o principal adversário de Lula continua sendo Lula, e seu maior cabo eleitoral ainda é o adversário condenado e impedido de ser eleito até 2030 — a quem ele vence na maioria dos cenários eleitorais testados há 32 meses seguidos. Não é uma situação “egípcia”, externa e confusa. É bizarrice nativa, esquisitice made in Brazil.
O terremoto político que abala o Planalto neste pré-Carnaval é a inflação. O ano começou com aumento expressivo (acima de 7%) no custo da cesta básica de alimentos. Os mais pobres, com dois terços do orçamento familiar consumidos nos supermercados, começaram o ano gastando 64,4% do salário mínimo líquido (depois dos impostos) na compra de comida, segundo o Dieese.
Lula está diante do mesmo problema que enfrenta desde a estreia, em 1989, numa disputa presidencial: os mais pobres, maioria no eleitorado, são as maiores vítimas da inflação.
No verão de 1994, ele decidiu lutar contra a ideia de estabilidade dos preços. Saiu em campanha contra o Plano Real, que ainda estava na mesa do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique, no governo Itamar Franco. Apostou que o real não teria “repercussão”; se tivesse, não redistribuiria renda; e, não redistribuindo, “congelaria a miséria”. O erro resultou em derrota acachapante (27% dos votos) no primeiro turno. No Carnaval daquele ano a Vila Isabel avisou, cantando: “No real, realidade é a esperança”.
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Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933