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Fiasco de Trump e Bolton, com ajuda de Bolsonaro, salvou o ditador Maduro

Ex-assessor de Trump fala do fracasso de plano de golpe na Venezuela, que teve adesão de Bolsonaro 32 dias antes da posse em Brasília

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 jul 2022, 13h20 - Publicado em 14 jul 2022, 08h00

John Bolton, 73 anos ex-conselheiro de Segurança Nacional do governo Donald Trump, comentou ontem, em entrevista a Jack Tapper, da CNN, as manobras do ex-presidente para tumultuar a eleição presidencial americana de 2020, impedir a posse de Joe Biden e continuar no poder.

Bolton, integrante da elite de servidores do Partido Republicano, conviveu com Trump por 16 meses. Romperam por diferenças sobre as intervenções de Trump na política externa — foi demitido num tuíte e chamado de “doido” e “incompetente” pelo presidente.

Fora do governo, Bolton se vingou num livro (“The Room Where It Happened: A White House Memoir” — jA sala onde aconteceu: um livro de memórias da Casa Branca). Contou com detalhes algumas das delinquências presidenciais. Entre elas, o aval de Trump ao presidente da China, Xi Jinping, na construção de campos de concentração para mais de um milhão de pessoas da minoria étnica muçulmana uigur.

Ontem, Bolton falava na CNN sobre a tentativa de golpe de Trump na invasão da sede do Congresso americano, em janeiro do ano passado, quando o jornalista Jack Tapper provocou, com ironia: “Não é necessário ser brilhante para tentar um golpe de estado.”

O ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump rebateu: “Discordo disso. Como alguém que já ajudou a planejar golpes de estado, não aqui [nos Estados Unidos], mas, você sabe, em outros lugares, isso demanda muito trabalho. E não foi isso o que [Trump] fez. Ele apenas foi tropeçando de uma ideia a outra. No fim das contas, ele incentivou a invasão do Capitólio. Quanto a isso, não há nenhuma dúvida.

“Os golpes foram bem sucedidos?” — Tapper quis saber.

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Bolton, que foi embaixador do governo George W. Bush na ONU, entre 2005 e 2006, preferiu desconversar: “Não vou entrar em detalhes, mas…” E mencionou superficialmente o esforço do governo Trump para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro, admitindo: “Não foi bem-sucedido.”

Em novembro de 2018, John Bolton desembarcou no Rio para conversar com o recém-eleito Jair Bolsonaro. Na reunião apresentou o convite de Truimp para  visita a Washington e confirmou a adesão do futuro governo brasileiro ao plano para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro — 
Em novembro de 2018, John Bolton desembarcou no Rio para conversar com o recém-eleito Jair Bolsonaro. Na reunião apresentou o convite de Truimp para  visita a Washington e confirmou a adesão do futuro governo brasileiro ao plano para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro — (Assessoria Jair Bolsonaro/Divulgação)

Foi um completo fiasco — e com a participação de Jair Bolsonaro, que aderiu à proposta de Trump para ajudar a derrubar Maduro exatos 32 dias antes de tomar posse em Brasília.

Às 7 horas da manhã de quinta-feira 29 de novembro, o recém-eleito Bolsonaro recebeu, com uma continência, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA na sua casa na Barra da Tijuca, no Rio. Estava acompanhado dos futuros ministros Fernando Azevedo (Defesa), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

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Bolton saíra de Washington para uma reunião do G-10, o grupo dos países mais industrializados, em Buenos Aires. A escala no Rio tinha dois objetivos: convidar Bolsonaro para, depois da posse, se reunir com Trump em Washington, e, confirmar a disposição do futuro governo brasileiro em se engajar num plano para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro.

Em janeiro de 2019, quando Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto, o projeto de golpe avançava com um governo paralelo na Venezuela, liderado pelo oposicionista Juan Guaidó. A cooperação brasileira foi coordenada, simultaneamente, em Washington e Caracas.

“Contatos contínuos”, contou Bolton no livro, “estavam sendo feitos com altos oficiais militares, com ex-membros do gabinete chavista, líderes sindicais e outros setores da sociedade venezuelana para construir alianças. Achávamos que o ímpeto permanecia com a Oposição, mas eles precisavam acelerar o ritmo.”

Prosseguiu: “Na Venezuela, estava sendo desenvolvido um plano, que achávamos promissor, para trazer suprimentos humanitários através das fronteiras da Colômbia e do Brasil para distribuir pela Venezuela.”

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Maduro havia fechado as fronteiras com o Brasil e a Colômbia. Para a Casa Branca, a ajuda humanitária no país em convulsão social e com a economia derretendo, catalisaria as forças de oposição ao regime. Também mostraria que as fronteiras da Venezuela, na prática, estavam abertas, “refletindo a crescente falta de controle” de Maduro. E ele ficaria na “posição impossível de negar suprimentos humanitários a seus cidadãos empobrecidos”.

Combinou-se o sábado 23 de fevereiro como o “Dia D”, a data-alvo para o começo da “ajuda humanitária da Colômbia e do Brasil à Venezuela”.

Entre janeiro e fevereiro, relata Bolton, intensificaram-se os boatos de deserções na cúpula militar de Maduro. “Houve rumores semelhantes antes”, relata Bolton, mas o plano humanitário transfronteiriço foi o principal fator para que, desta vez, pudesse ser verdade.”

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Protestos e repressão, a rotina da Venezuela que Nicolás Maduro transformou em estado falido — 
Protestos e repressão, a rotina da Venezuela que Nicolás Maduro transformou em estado falido — (Matias Delacroix/AFP)

O governo Trump, com a ajuda do Brasil e da Colômbia, estava pondo em marcha um novo plano de golpe na Venezuela, baseando-se mais em expectativas do que no controle efetivo dos acontecimentos. “Havia também algum sentimento de que deserções dessa magnitude [na cúpula militar] trariam um número significativo de tropas com eles, com as unidades militares aparentemente se movendo em direção às fronteiras, mas depois voltando para Caracas para cercar o Palácio de Miraflores, a Casa Branca da Venezuela.”

“Suprimentos de ajuda vinham sendo construídos há semanas em vários postos de controle em ambas as fronteiras, e comboios adicionais foram preparados para chegar aos postos ao longo do dia, escoltados por voluntários da Colômbia ou do Brasil, para serem recebidos do outro lado por voluntários venezuelanos. Pelo menos esse era o plano.

O sábado 23 de fevereiro amanheceu com multidão na fronteira da Colômbia, e violência na zona limítrofe da Venezuela com o Brasil, no Estado de Roraima, onde vivem os índios  Pemones. Eles lutaram contra a Guarda Nacional de Maduro: “Ambos os lados sofreram baixas. Os Pemones supostamente capturaram 27 guardas, incluindo um general, e queimaram um posto de controle do aeroporto.”

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Pouca coisa deu certo —  e restrita à zona secundária da operação, a fronteira do Brasil com a Venezuela. A tentativa de golpe “simplesmente fracassou”, resumiu Bolton nas memórias do período. “Fiquei feliz por obter o resultado certo, mas o tempo perdido no debate interno [entre Washington e Caracas] foi equivalente a jogar uma tábua de salvação a Maduro.”

Um mês depois, a Rússia enviou novas tropas e equipamentos à Venezuela, para reforçar a defesa do regime, e “havia fortes indícios de que mais estavam chegando”.  De Brasília, porém, Bolton continuava a receber “boas” notícias: “O ministro da Defesa do Brasil, Fernando Azevedo, me dizia que o fim estava próximo para Maduro.”

A aventura desastrada de Trump e Bolton, com a ajuda de Bolsonaro e do presidente colombiano Iván Duque,  ainda custa caro aos venezuelanos. No próximo 13 de outubro Maduro completa dez anos no poder. A ditadura continua.

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