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País enfrenta uma grave crise fiscal, mas paga a festa dos partidos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jul 2024, 13h48 - Publicado em 5 jul 2024, 06h00

Madrugava quando o ronco de meia dúzia de jamantas estacionando acabou com o sossego dos moradores no setor de mansões de Planaltina, cidade-satélite de Brasília. O alarido da partida ao amanhecer chamou menos atenção do que a carga incomum retirada de um galpão que sediava um partido político.

Quatro carretas dividiram uma indústria gráfica completa — das máquinas recém-importadas ao estoque de matéria-prima de impressão (vinil autoadesivo), além de móveis, aparelhos de ar condicionado, computadores e sistema de energia solar. Outra carregou seis carros compactos da Volks, Chevrolet e Fiat. A última sumiu na estrada levando no lombo um helicóptero Robinson R66 (matrícula PP-CHF), de cinco assentos e turbina Rolls-Royce RR300, própria para voos a maiores altitudes.

Na poeira das jamantas ficou o rastro de um crime contra os cofres públicos. Naquela sexta-feira 4 de março de dois anos atrás, dirigentes do Partido Republicano da Ordem Social (PROS, atual Solidariedade) se apropriaram de bens adquiridos com o desvio de recursos dos fundos partidário e eleitoral, e embolsaram o dinheiro da venda das máquinas e dos insumos gráficos importados. Negociavam os carros e o helicóptero em Brasília quando foram interrompidos pelas sirenes da polícia.

Eurípedes Gomes de Macedo Júnior, 49 anos, dono de três identidades e CPFs diferentes, está preso há dezoito dias em Brasília. É acusado de crimes como a apropriação de 36 milhões de reais, metade do volume de verbas públicas que sustentaram o partido nos últimos quatro anos. Ele nega tudo.

Para o Ministério Público, no entanto, o PROS funcionava como um banco particular. Financiava desde construção de piscina, reforma e equipamento das cozinhas nas residências de Eurípedes Jr. e dos assessores, como também pagava o churrasco das famílias (3,7 toneladas de carne num único mês) e garantia bebida gelada na mesa (máquina com capacidade para 50 litros).

“País enfrenta uma grave crise fiscal, mas paga a festa dos partidos”

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O partido torrou milhões com candidatos “laranjas” nas eleições de 2022. Um deles recebeu 2,5 milhões de reais para disputar uma vaga de deputado federal no Pará. Sem precisar sair da residência em Planaltina (GO), obteve 436 votos — cada um custou 5 700 reais aos cofres públicos, 304 vezes mais que a média dos candidatos paraenses.

Ano passado as coisas começaram a se complicar na Justiça Eleitoral. Eurípedes Jr. adotou uma tática conhecida no meio empresarial: liquidou a “empresa” PROS numa fusão com o partido Solidariedade, do amigo Paulo Pereira da Silva, ex-sindicalista e deputado federal paulista, conhecido como Paulinho da Força. Passaram a dividir o comando do Solidariedade, uma bancada de sete votos entre 513 no plenário da Câmara, com acesso a fundos estimados em 28 milhões de reais neste ano.

Esse caso é simbólico da atual desordem partidária motivada por interesses organizados, entre eles, o de apropriação de dinheiro público. O Brasil é caso único de país que usa dinheiro público para financiar todas as eleições e todos os partidos.

Patrocina neste ano a eleição de prefeitos e vereadores mais cara da história. Vai custar o triplo da disputa municipal realizada em 2020. Os gastos previstos superam 54 bilhões de reais (48 bilhões via emendas parlamentares ao Orçamento e 6 bilhões em custeio direto das campanhas e da burocracia partidária).

A transparência é rarefeita, quase inexistente. A Justiça Eleitoral não tem meios de fiscalizar cada despesa dos mais de 50 000 candidatos na temporada eleitoral. Deputados e senadores fazem as regras, pulverizam responsabilidades e dirigentes partidários pouco se preocupam com a legitimidade dos gastos, as prestações de contas e a ordem contábil.

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Nem todos, é claro, desviam dinheiro público, mas as normas frágeis combinadas à autoindulgência política redundam em incentivo a situações anárquicas como a do PROS. O país enfrenta uma grave crise fiscal, mas sustenta uma festa permanente: a alegria é grátis nos partidos, o público paga e o Congresso anistia.

Está em curso um novo perdão amplo, geral e irrestrito a toda uma década de manipulações, desvios e irregularidades contábeis com o dinheiro dos impostos. A soma das pendências com a Justiça Eleitoral ultrapassa 20 bilhões de reais, calculam parlamentares. É um valor extraordinário. Similar, por exemplo, ao gasto anual com a manutenção de presídios como o da Papuda, em Brasília, endereço atual do ex-presidente do PROS e do Solidariedade.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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