Como um cheque de R$ 100 milhões provocou uma crise na cúpula do PT
Presidente estadual e vice nacional do PT, Washington Quaquá resolve apoiar reeleição do governador do Rio, aliado de Bolsonaro, contra o candidato de Lula
Um cheque de R$ 100 milhões provocou uma crise na cúpula do Partido dos Trabalhadores e ameaça fragmentá-lo na disputa eleitoral do Rio, no próximo ano.
Aliado de Jair Bolsonaro, está em campanha pela reeleição no governo estadual e resolveu fazer entregas simbólicas de cheques aos prefeitos da região metropolitana, onde se concentram sete de cada dez eleitores do Estado — no total, são 12,4 milhões e compõem o terceiro maior colégio eleitoral do país.
Maricá era uma das 22 cidades no périplo eleitoral de Castro. O município há tempos é dominado pelo PT, obra do ex-prefeito Washington Luiz Cardoso Siqueira.
Conhecido como Quaquá, ele tem 50 anos de idade e 36 de militância petista. Filiou-se na adolescência, aos 14 anos, e ascendeu na direção estadual na maioridade. Hoje, é presidente do partido no Estado e vice-presidente nacional.
Tipo controverso, ganhou a eleição para deputado federal em 2018, com 74 mil votos. Mas, não levou: a Justiça Eleitoral o declarou inelegível, por empregar na prefeitura de Maricá uma centena de cabos eleitorais, premiados com o dobro da remuneração dos servidores municipais.
Quaquá saiu de casa para festejar o governador que chegava com R$ 100 milhões no bolso para entregar à cidade. E era apenas a primeira parte dos royalties da venda Cedae: outros R$ 54 milhões ainda serão pagos.
Maricá é cidade rica, cuja economia oscila com o preço do petróleo, e é um dos raros municípios brasileiros com orçamento de R$ 3,2 bilhões para investimentos neste ano. Mas a perspectiva de uma centena e meia de milhões de reais a mais nos cofres da prefeitura do PT entusiasmou o líder petista.
“Nosso povo está de saco cheio de político que briga” — discursou o bolsonarista Castro — “é vereador contra prefeito, deputado contra governador, por aí vai e ninguém aguenta mais…”
Quaquá não resistiu, saiu gritando: “É Castro e Lula, gente! É Castro-Lula em 22!”
Era o vice-presidente nacional do PT, e presidente estadual do partido, apregoando a ideia de união do candidato bolsonarista ao governo estadual com Lula, que lidera as pesquisas para a presidência.
O efeito foi imediato: abalou as negociações de Lula para transformar Marcelo Freixo, ex-Psol e hoje no PSB, em candidato ao governo fluminense por uma aliança anti-Bolsonaro no Rio, Estado onde ele se elegeu presidente em 2018 com seis em cada dez votos válidos (em Maricá chegou a 62%).
Quaquá, depois, arrematou com uma sequência de mensagens sobre o “É Castro-Lula!”, comparando o aliado de Bolsonaro a outros políticos: “Num país destruído pelo lavajatismo e capturado pelos falsos moralistas, vingadores autoritários, mas ao fim e ao cabo, mais corruptos do que os que eles, criminosamente, se arvoram combater, destruindo o país a serviço de projetos estrangeiros, ter gente com capacidade de diálogo e espírito de tolerância é um ganho imenso. Por isso, saí de casa para ir a essa solenidade de defensores da democracia.”
Líderes petistas tentaram contemporizar, mas o estrago estava feito. Em campanha pelo Nordeste, Lula soube e fez a habitual opção preferencial pelo silêncio. Delegou a resposta à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não apenas tentou isolar como até desqualificou o vice-presidente nacional do partido: “É posição absolutamente pessoal” — disse ontem, em Salvador — “Não temos relação política com o Cláudio Castro, temos um campo progressista definido no Rio, que reúne PSB, PCdoB, PT, PSOL. O PT não reconhece essa declaração do Quaquá. Ele não fala pelo partido.”
O “bolsopetismo” apareceu em vários Estados na eleição municipal do ano passado. O vice do PT inovou. Lançou a versão Maricá do “bolsolulismo”.