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Chave de estrela

O país tem a chance de entender como chegou à ‘Festa da Selma’, em janeiro

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h50 - Publicado em 28 abr 2023, 06h00

Vai ser um inédito desfile de estrelas: generais, antigos comandantes das Forças Armadas e ex-ministros de Jair Bolsonaro e Lula no palco da comissão parlamentar de inquérito sobre as invasões do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.

Será exposto um enredo de leniência, incompetência e conivência de civis e militares que, por ação ou omissão, deixaram vulneráveis as sedes dos Três Poderes ao ataque de uma fração de extrema direita embalada no delírio de reversão da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro.

É a terceira investigação abrangente e simultânea sobre o que aconteceu nas dez semanas seguintes à votação em outubro. Outros inquéritos estão em andamento no STF e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, com foco na autoria, no financiamento e no apagão das forças de segurança.

Antes da eleição, mostram os registros policiais, Brasília teve 520 atos públicos sem vandalismo. A Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes e as sedes institucionais são locais muito vigiados e inacessíveis — se as forças de segurança não permitirem o acesso.

Uma questão central é: por que no domingo 8 de janeiro foi fácil para um grupo organizado na porta do Quartel-General do Exército marchar 7 quilômetros de asfalto, entrar na Esplanada, ocupar a praça, invadir e depredar prédios? Faltam respostas.

Sobravam informações sobre o plano, repassadas por agentes infiltrados no acampamento de bolsonaristas radicais que o comando do Exército acalentou por 69 dias, até mesmo com inusual autorização para uso de carro de som — como confirmou o Estado-Maior do Comando Militar do Planalto em correspondência à Secretaria de Segurança na sexta-feira 4 de novembro de 2022.

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“O país tem a chance de entender como chegou à ‘Festa da Selma’, em janeiro”

Dias antes das invasões do Congresso, STF e Planalto, em janeiro, serviços secretos emitiram uma sequência de “alertas” (por exemplo, às 9h09m, 14h08m, 14h44m e 18h33m da sexta-feira 6) sobre a chegada de ônibus com manifestantes “muito exaltados”, antecipando um “confronto com as forças de segurança”. Um dos relatórios listava: “Possibilidade de invasão e ocupação de órgãos públicos”; orientação para a linha de frente com “adultos em boas condições físicas”; presença de atiradores afiliados a clubes de armas; além de “possíveis ações de bloqueios” em refinarias e distribuidoras de combustíveis nos estados.

O local do acampamento dos aliados de Bolsonaro não foi escolhido ao acaso: o bairro do QG do Exército integra a jurisdição da 11ª Região Militar, assim como os palácios do Planalto e da Alvorada. Nessas áreas, a competência ou capacidade para a atuação policial precisa de permissão do Comando Militar do Planalto.

Em três ocasiões, no ano passado, o general-comandante do Planalto Gustavo Dutra de Menezes acertou com a polícia local o desmonte das barracas, onde havia prostituição, tráfico e coleta de dinheiro “via Pix”. Na hora combinada, a tropa da Polícia Militar foi desmobilizada: o general deu uma “chave de estrela”, como dizem os policiais, impon­do-se ao comandante da PM, alegando ter recebido “ordens” do Comando do Exército.

Cenários de complô e conflito já estavam desenhados. Um mês antes, na segunda-feira 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e Geraldo Alckmin, armou-se vandalismo no centro de Brasília. Ninguém foi preso. No dia seguinte, proprietários de hotéis relataram à polícia que parte dos agitadores estava hospedada na região, com diárias pagas.

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Na noite de Natal frustrou-se a explosão de um caminhão-tanque no aeroporto. Para o atentado, três homens obtiveram dinheiro e cumplicidade na infiltração de armas, uniformes de camuflagem e montagem de uma bomba — que falhou — dentro do acampamento na área sob jurisdição do Exército, ao redor de 800 residências onde vivem cerca de 1 000 famílias de militares.

Há indícios de uma rede de patrocínios empresariais — do agronegócio ao garimpo de ouro, cassiterita e diamantes — vinculada a deputados, senadores e ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso. Dias atrás, o juiz Alexandre de Moraes, do STF, disse a parlamentares que os “financiadores médios” já estão identificados — “agora, vamos chegar no topo da cadeia”, acrescentou.

Com as investigações no Supremo, no Congresso e na Câmara Legislativa, há chance de o país entender como chegou à “Festa da Selma”, senha da extrema direita para a intentona de 8 de janeiro.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839

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