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Arte da estupidez

Bolsonaro é caso exemplar de como um político pode causar danos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h45 - Publicado em 5 Maio 2023, 06h00

No meio da agonia pandêmica, em 2020, apareceu um bálsamo nas livrarias — a primeira edição brasileira do livro As Leis Fundamentais da Estupidez Humana. Num ensaio enxuto e divertido, o historiador medievalista italiano Carlo Cipolla tateia um dos mistérios mais antigos e insondáveis da política: como e por que pessoas estúpidas conseguem alcançar posições de poder e relevância.

“Não é difícil”, escreveu Cipolla, “entender como o poder social, político e institucional aumenta o potencial que uma pessoa estúpida tem de causar danos. Mas ainda é preciso explicar e entender o que, essencialmente, torna uma pessoa estúpida perigosa para outras pessoas — ou seja, no que constitui o poder da estupidez. Pessoas essencialmente estúpidas são perigosas e prejudiciais porque pessoas racionais acham difícil imaginar e compreender o comportamento irracional.”

Acrescentou: “O fato de a atividade e os movimentos de uma criatura estúpida serem absolutamente instáveis e irracionais não apenas tornam a defesa problemática, mas também fazem com que qualquer contra-ataque seja extremamente difícil — como tentar atirar em um objeto capaz dos movimentos mais improváveis e inimagináveis”.

A sensação de impotência diante da mortandade espalhou angústia e produziu uma expectativa planetária sobre a produção de uma vacina contra o coronavírus. No Brasil, poucas coisas mataram tanto quanto as campanhas de desinformação sobre a Covid-19 disseminadas nas redes sociais. Com frequência diária, parte das informações ruins, notícias falsas e fake news foi promovida por Jair Bolsonaro.

Muita gente perdeu tempo na tentativa de entender por que ele fazia o que fazia na Presidência da República. Repudiava a ciência como premissa da política de saúde pública. Disseminava informações fraudadas e gastava dinheiro público com “pílulas milagrosas” de cloroquina e de ivermectina, para alegria dos fabricantes, cujos lucros subiram até 730%.

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“Bolsonaro é caso exemplar de como um político pode causar danos”

Quando a vacina ficou disponível, passou a adiar a compra com argumentos insólitos: “A pressa não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”. Efeito notável desse desgoverno foi a desconexão com a sociedade. Ironicamente, ampla maioria do eleitorado (60%) passou a dizer nas pesquisas que não confiava naquilo que dizia o presidente, candidato à reeleição, recusando-se a segui-lo na emergência sanitária.

Aconteceu, então, um raro caso de inépcia política passada em cartório. O Supremo Tribunal Federal certificou a incompetência do governo Bolsonaro em cumprir o dever constitucional de defender a segurança sanitária da população e liberou os governos esta­duais para aquisição de imunizantes e vacinação descentralizada.

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No ensaio sobre a estupidez, Cipolla diz acreditar que ela é um privilégio indiscriminado de todos os grupos humanos e distribuída de maneira uniforme de acordo com uma proporção constante. “De modo científico”, ele fundamenta: “A probabilidade de determinada pessoa ser estúpida independe de qualquer outra característica dessa pessoa”.

Os fatos costumam ser mais expres­sivos do que palavras. Foi assim com a expansão dos cemitérios brasileiros durante a etapa pandêmica de negacionismo da ciência. Repete-se na história dos atestados de vacinação fraudados que Bolsonaro usou para trapacear o governo dos Estados Unidos, driblando leis e normas de proteção sanitária da população americana.

O potencial de estupidez na política sempre supera expectativas. No Congresso, por exemplo, aumentou a confusão entre deputados sobre o que as empresas donas de plataformas de redes sociais dizem ser verdade ou mentira no projeto de lei para repressão das usinas de fraudes, informações falsas, fake news.

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Na agonia pandêmica de 2020 o Senado aprovou o texto original com trinta artigos. A Câmara adicionou outros trinta em dois anos e meio de discussões. No dia da votação recebeu setenta novas emendas — seis por hora no expediente da terça-feira 2.

Os deputados querem garantir a própria impunidade e a de outros 50.000 “agentes políticos” sobre tudo que publicam nas redes sociais. Desenham um cercadinho VIP para a casta política no mundo virtual, isolando-a da vida real dos brasileiros. Tem-se novo caso de estudo à luz das “leis fundamentais” de Cipolla.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840

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