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A trapalhada argentina na festa do ditador da Nicarágua

Argentinos se revoltam com embaixador na posse de ditador, ao lado de general do Irã procurado por ataque terrorista que matou 85 em Buenos Aires

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 17 jan 2022, 14h05

A Argentina governada pelo peronista Alberto Fernández está, de novo, em busca do aval dos Estados Unidos para negociar um acordo de pelo menos US$ 50 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Amanhã, o chanceler Santiago Cafiero estará em Washington para pedir ajuda ao secretário de Estado Anthony Blinken.

Apelar aos EUA tem sido uma rotina argentina nos últimos 195 anos, em sucessivos ciclos de descontrole da inflação (51% no ano passado) e de calotes na dívida externa — contam-se oito desde 1827, o atual deve custar US$ 100 bilhões.

A novidade, desta vez, está na missão do chanceler Cafiero. Aos 42 anos, educado numa das oligarquias do peronismo, ele é visto como uma promessa de renovação do partido para futura disputa presidencial. No currículo, acumula a experiência de coordenação da campanha eleitoral de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, em 2019, seguida pela chefia do Gabinete de Ministros, até setembro.

Cafiero estreia em Washington numa missão vital para o governo Fernández, mas sob um pesadelo diplomático, consequência de uma das maiores trapalhadas políticas dos últimos tempos cometidas ao Sul do Equador.

Aconteceu em Manágua, semana passada, quando o ditador Daniel Ortega celebrava seu quarto governo consecutivo e o quinto mandato na presidência. Ortega se “elegeu” com a mulher Rosario Murillo na vice-presidência, depois de mandar prender todos os adversários, num pleito em que 81,5% dos eleitores se recusaram votar.

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Na posse estava o embaixador argentino Daniel Capitanich, 52 anos, ex-vice-governador da Província do Chaco, atualmente sob comando do irmão, Jorge, ex-senador peronista. Era um poucos representantes de países com regime democrático. Entre os convidados especiais de Ortega, que virou pária por corrupção e violação dos direitos humanos, entre “otras cositas más”, se destacavam Nicolás Maduro, da Venezuela, Miguel Diáz-Canel, de Cuba, e o general Mohsen Rezai, vice-presidente de Assuntos Econômicos do Irã.

Rezai é procurado pela Interpol, a pedido da Justiça da Argentina, dos Estados Unidos e de Israel. Integrava o comando da Guarda Revolucionária Iraniana, em 1994, quando foi acusado de planejar e coordenar um núcleo do grupo libanês Hezbollah no atentado terrorista contra Associação Mutual Israelita Argentina, em Buenos Aires.

Mataram 85 pessoas e deixaram mais de duas centenas de feridos, numa operação que envolveu apoio doméstico brasileiro na região da Tríplice Fronteira, no Sul. No processo  o atentado ficou estabelecido como reação do Irã à recusa argentina — sob pressão dos EUA — de cumprir um acordo assinado de transferência de tecnologia nuclear.

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A presença em Manágua do planejador do ataque terrorista seria uma nota sobre as contradições operacionais da Interpol, que há quatro anos o mantém na lista de procurados, ao lado de outros envolvidos no atentado, como Imad Fayez Mughniyah, Ali Fallahijan, Mohsen Rabbani, Ahmad Reza Asghari, e Ahmad Vahidi, ex-ministro da Defesa e, atualmente, chefe do Ministério do Interior iraniano.

Porém, os argentinos descobriram que seu embaixador, Daniel Capitanich, havia participado da festança do ditador Ortega, onde estava o general-terrorista Rezai. Extravasaram indignação.

O governo Fernández se meteu numa encrenca política de tamanho só equivalente ao da trapalhada diplomática: ou o embaixador Capitanich não alertou Buenos Aires sobre a presença do acusado de planejar o maior ataque terrorista já realizado no Cone Sul, ou, muito pior, o governo soube e resolveu seguir adiante.

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De Buenos Aires a Washington, a comunidade judaica não perdoa Fernández, Cafiero e Capitanich. “As democracias no nosso hemisfério não podem se dar ao luxo de olhar o outro lado, enquanto Ortega sabota a democracia e a segurança regional”, comentou o secretário de Estado, Antony Blinken, cuja biografia começa numa família judia com vítimas no campo de concentração nazista de Auschwitz.

Amanhã, ele recebe Cafiero. Vai ouvir do chanceler argentino um apelo por ajuda, para salvar o governo Fernández da inviabilidade financeira até às eleições de 2023. Blinken foi um dos formuladores da resposta do governo Obama para a política nuclear do Irã. Também participou do plano para matar Osama Bin Laden, em 2011, no Paquistão.

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