Há um Brasil nessas fraudes: emendas Pix serão em breve um caso para PF
Trata-se de uma anomalia sem tamanho, que só é proporcional ao apetite dos nossos políticos pelo poder

Nesse último fim de semana a sociedade brasileira tomou conhecimento do que pode vir a ser mais um possível caso de malfeitos envolvendo o emprego das emendas Pix: municípios e estados não prestaram contas acerca da utilização de 3,8 bilhões de reais dessas emendas, perfazendo quase 90% do total dos repasses.
Segundo pesquisa recente realizada pela Transparência Brasil, um total de 4,48 bilhões de reais foram destinados a governos estaduais e prefeituras na primeira metade de 2024 e somente 14% desse total (627,2 milhões de reais) tiveram sua utilização detalhada.
De acordo com a Transparência Brasil, metade dos municípios brasileiros (2.757 de um total de 5.570), e 22 das 27 unidades da Federação não prestaram contas dos recursos a eles destinados.
Vale também registrar que nos últimos quatro anos foram transferidos um total 21 bilhões de reais nessas emendas Pix, sendo que 933 milhões de reais (equivalentes a apenas 4% do total) foram objeto de prestação de contas por parte dos municípios e estados beneficiados.
Interessante lembrar que nenhum outro parlamento no planeta decide gastos nessas proporções. Trata-se de uma anomalia sem tamanho, que só é proporcional ao apetite dos nossos políticos pelo poder. O Orçamento de 2025 foi aprovado no mês passado com uma previsão record de 50,4 bilhões de reais em emendas parlamentares.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino persiste em sua cruzada exigindo que os poderes Executivo e Legislativo atendam as exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade sobre os repasses. Isso certamente implica na comprovação de gastos, indicação da origem e destinatários da dinheirama. O magistrado segue insatisfeito, pois não foi atendido pelo Congresso na totalidade de suas exigências. Os parlamentares são escorregadios…
A Controladoria-Geral da União já estaria conduzindo auditorias sobre esses repasses, assim como o Ministério Público Federal já iniciou investigações país afora, também com o foco nas emendas Pix.
Tendo em vista os últimos grandes (e bombásticos) casos de corrupção ocorridos no país, como o Mensalão e o Petrolão, que envolveram praticamente toda a classe política, de todos os partidos, e de todas as matizes ideológicas; e considerando a impunidade crônica de nosso sistema processual, que não consegue atingir com reprimendas penais duras os estamentos superiores dessa elite política, nada nos autoriza a acreditar que não haverá milhares de fraudes no fim da tramitação dessas emendas – nas pontas -, na aplicação desses recursos e nas respectivas prestações de contas.
Vale lembrar que há mais dinheiro transitando via emendas parlamentares do que no Mensalão e Petrolão somados, e que muitos dos que tiveram seus nomes envolvidos nesses casos notórios, seguem na política, decidindo e se beneficiando dessas emendas, enfim, é muito difícil não acreditar que com esse contexto e esse elenco, as emendas parlamentares não serão o próximo escândalo nacional de corrupção.
A Polícia Federal já pode ir até preparando suas equipes, formando forças-tarefas de agentes, peritos e delegados, pois esses inquéritos serão instaurados pelo Brasil inteiro, e com certeza dezenas de operações repressivas (com prisões, buscas e apreensões) serão deflagradas. E muitos desses processos certamente serão aforadas no Supremo Tribunal Federal, em razão do foro privilegiado dos principais investigados.
Nunca nenhum escândalo foi tão anunciado como esse “do Emendão”. O curso lerdo e tranquilo – quase fluvial – dessa fraude, faz parte do que o Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do STF, um dia chamou de “naturalização das coisas erradas”. A nitidez com que essa situação vem se desenhando nos faz crer que estamos anestesiados e que perdemos o poder de nos indignarmos. Está a caminho uma verdadeira pule de dez que não vai surpreender absolutamente ninguém. É o nosso business as usual. Afinal, como já percebemos, há um país nessa fraude.