Tatuagem no Japão: um tabu associado à máfia
As marcas no corpo nasceram como arte mas hoje são vetadas em muitos lugares públicos. Em Tóquio , desembarcam na pele de dezenas de atletas
Se, pela TV, acompanhamos um desfile de tatuagens no corpo dos atletas, nas ruas, a realidade é outra. Ostentar a pele marcada em espaços públicos no Japão é algo cercado por restrições e tabus associados a uma das máfias mais famosas do mundo.
Tatuados que querem passar pela experiência do banho de onsen sabem bem disso. As estâncias de banhos termais, muito apreciados na cultura japonesa, costumam banir a entrada de pessoas com tatuagem. A proibição acaba sendo uma forma de barrar relações diretas com a Yakuza, organizações criminosas japonesas cujos membros exibem belíssimos traços na pele.
Mesmo quem tem tatuagens mais singelas, como essa que vos fala, acaba sendo atingido por essas limitações. Num onsen em Hakone, cidade conhecida por suas águas termais, fui alertada na recepção de que minha pele marcada poderia ser um impedimento para um banho relaxante. Não tão vistosas assim, mas grandes demais para serem cobertas por um band-aid, como havia sugerido a funcionária, os desenhos na minha pele acabaram me encaminhando a um onsen privativo — um desfecho feliz, já que a grande maioria de estâncias oferecem apenas a opção de banhos coletivos.
E antes que imaginem que usar um maiô cobrindo tudo fosse uma solução possível, vale falar que, no Japão, entramos nas águas termais nus em pelo, depois de lavarmos bem o corpo numa área de banho, também coletiva. Garantimos, assim, a manutenção da limpeza das águas, num ritual de comunhão total com a natureza, onde a nudez é encarada sem pudores.
Levantando um pouco da história, é curioso observar o rumo que as tatuagens tomaram no Japão. De acordo com um estudo da Universidade de São Francisco, há indícios de que, na Era Edo (1603 a 1868), período de grande florescimento cultural no Japão, as tatuagens eram feitas por artistas de ukiyo-e. Tendo Hokusai como seu expoente mais conhecido, o estilo de xilogravura de apelo popular representava cenas do “mundo flutuante” japonês, focando no estilo de vida hedonista da época.
O cenário mudou com as transformações do Período Meiji, quando o Japão abriu portos e fronteiras, passando a estabelecer contatos intensos com os Estados Unidos e a Europa. Em 1872, tanto tatuar quanto expor publicamente tatuagens acabou sendo proibido — decisão que só foi revista em 1948. O estigma da ilegalidade, no entanto, perdura até hoje, com o reforço da máfia.
Nessa época de abertura do país, que havia passado mais de dois séculos praticamente fechado para troca com estrangeiros, muitos costumes e elementos da cultura japonesa acabaram sendo filtrados pelo governo, pelo risco de serem considerados “bárbaros” ou “exóticos” demais ao olhar ocidental. Tentando ganhar a admiração das potências da época, a tatuagem acabou entrando nesse barco. Mal sabiam que tatuagens seriam elevadas ao status de arte, sendo apreciadas pelo resto do mundo — inclusive pela elite de atletas que compete hoje em Tóquio.
Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)