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Janela para Tóquio

Por Piti Koshimura Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar para o cotidiano da cidade olímpica
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De moqueca a tofu com pistache: o cardápio dos atletas brasileiros

Chef Allan Sales, responsável pela alimentação do Time Brasil, mostra ao blog as diversas opções gastronômicas disponíveis na Olimpíada de Tóquio

Por Piti Koshimura
Atualizado em 26 jul 2021, 23h32 - Publicado em 26 jul 2021, 08h11

“Eu nunca imaginei vir para o Japão.” Allan Sales sequer imaginaria, então, que, em seu primeiro contato com o país, desempenharia um papel tão importante: comandar as cozinhas que servem os atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Depois de uma temporada de 10 anos trabalhando no Rio de Janeiro, o chef mariliense está desde 2018 no Japão coordenando todas as operações que envolvem a alimentação da delegação brasileira nas bases montadas pelo COB no Japão. Além da base de Tóquio, que fica a 600 metros da Vila dos Atletas e opera como uma alternativa ao refeitório principal da Vila, outras oito bases foram montadas para receber os esportistas.

Engana-se quem acha que o trabalho consiste essencialmente em ficar atrás do fogão. Em meio a dezenas de planilhas de Excel, Allan me mostra os quatro cardápios diferentes criados para as 9 cozinhas, divididos em café da manhã, almoço, lanche e jantar, com pratos principais que só vão se repetir depois de um período de 10 dias. Haja criatividade! Strogonoff, lasanha, kibe, moqueca, vaca atolada, frango com quiabo… A ideia é trazer um gostinho de tudo que é familiar no Brasil para que os atletas se sintam acolhidos. Arroz soltinho, feijão e farofa não vão faltar.

Moqueca e paella estão no cardápio das bases brasileiras do COB
Moqueca e paella estão no cardápio das bases brasileiras do COB (Piti Koshimura/VEJA)

A lista de ingredientes de uma das bases já revela o sabor brasileiro. No topo dos itens mais requisitados estão os nossos clássicos alho e cebola: 15 quilos de cada para cobrir o período dos Jogos. As quantidades surpreenderam colaboradores japoneses, que chegaram a confirmar com Allan: “É isso mesmo? Vai tudo isso de alho?”. A descrença se justifica já que os sabores da culinária japonesa são outros. Lascas de bonito seco, missô, a pasta de soja fermentada, e caldos à base da alga kombu ou de shitake seco são onipresentes. Mas Allan preferiu não arriscar e manteve aquilo que já é conhecido do paladar dos brasileiros. E não é que um alimento japonês entrou nessa seleção? Rico em proteínas, o tofu é um queridinho de muitos atletas.   

Algumas equipes têm menus criados para atender certas especificidades e solicitações. Do judô, por exemplo, partiu a demanda por sushi. Alternando com o menu brasileiro, Allan propôs dias em que os judocas poderão se deliciar com nigiri-zushis, futomakis, hossomakis e outros tantos makis. A cozinha da base de Hamamatsu, que recebe os atletas do esporte de origem japonesa, coincidentemente tem uma equipe inteiramente composta por profissionais japoneses. 

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Tofu com pistache e tarê, em receita de Allan
Tofu com pistache e tarê, em receita de Allan (Allan Sales/Divulgação)

 

Sobre trabalhar com cozinheiros nativos sem ter um idioma em comum e, por vezes, sem a ajuda de intérpretes, o chef disse que a comunicação aconteceu, mesmo no silêncio. O treinamento da equipe japonesa foi na base do gestual, do olhar e da imitação — o que, se pararmos para pensar, não é muito diferente do sistema de aprendizagem de um novato nas artes tradicionais japonesas, como o shodô, a arte da caligrafia. O iniciante é convidado a observar o mestre para, a partir da repetição de seus movimentos, encontrar o seu próprio equilíbrio e fluidez. 

Além de montar e treinar as equipes, o trabalho de Allan envolveu também o planejamento de como as refeições são servidas em cada base. Pensar na logística envolvendo a alimentação de, em média, 240 atletas somados a cerca de 120 profissionais envolvidos nas comitivas já não é uma tarefa simples. Somado ao fator pandêmico, então… Para chegar num formato seguro, as discussões sobre os projetos dos refeitórios e os protocolos a serem seguidos envolveram médicos, arquitetos e as equipes de cozinha. Na base brasileira de Tóquio, por exemplo, apenas 40 pessoas podem comer por vez, respeitando o limite de até 40 minutos de permanência e os protocolos básicos de distanciamento e uso de máscara ao passar pelo buffet. 

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Circulando pela base de Enoshima, onde estão os brasileiros da vela, cruzamos com atletas e membros das comitivas, que incluem fisioterapeutas, treinadores, massagistas e motoristas, todos saudando o responsável pelas delícias que saem da cozinha. Allan destaca que são muitos os profissionais envolvidos por trás de cada medalha e declara com orgulho: “É muito bom fazer parte de tudo isso.”

Os Jogos mal começaram mas, levando em conta os três anos de preparativos, a temporada de Allan no Japão está perto do fim. Acabando os Jogos, Allan deixará o país, levando na mala aprendizados da cozinha japonesa e as boas lembranças de sua experiência. Fala com carinho do que encontrou por aqui, principalmente do tratamento respeitoso, da organização e, claro, da comida. “Se não fosse fritura, comeria tonkatsu todos os dias”, diz o chef sobre porco empanado, um prato super apreciado no cotidiano japonês. 

O tonkatsu, porco empanado, é geralmente servido com salada de repolho num teishoku, um
O tonkatsu, porco empanado, é geralmente servido com salada de repolho num teishoku, um “prato feito” que inclui arroz e a sopa missoshiru (Piti Koshimura/VEJA)

Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)

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