Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Imagem Blog

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’

Da concepção visual aos desempenhos estelares de Denzel Washington e Frances McDormand, não há faceta do filme que não seja admirável

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 12h23 - Publicado em 14 jan 2022, 06h00

— “E se falharmos?”, diz Macbeth.

— “Então falhamos”, replica Lady Macbeth, lançando seu ultimato.

Há 416 anos essas falas vêm sendo repetidas em incontáveis montagens teatrais e em pelo menos duas dezenas de filmes. Mas, no cinema ao menos, poucas vezes elas carregaram tintas tão pesadas de embriaguez e ressentimento, e uma urgência tão forte de um último recurso, quanto no desempenho formidável de Denzel Washington e Frances McDormand em A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth, Estados Unidos, 2021), que já está disponível na Apple TV+. No alto de uma torre, Macbeth e sua mulher conspiram, tecendo uma teia em volta deles mesmos para se enredarem, juntos, no propósito de matar Duncan, rei da Escócia, para que Macbeth assuma o trono. Como profetizado, Macbeth ganhou um novo domínio, Cawdor, em recompensa pela valentia demonstrada em batalha na defesa de Duncan. Então também a segunda parte do vaticínio, a de que ele será rei, deve ser verdadeira; e Lady Macbeth incita o marido a matar Duncan para assim apressar os acontecimentos — ou, mais que isso, para forçar a profecia a cumprir-se. (Outros assassinatos terão de ser perpetrados; Duncan tem um herdeiro, e foi dito ainda a Macbeth que os reis que o sucederão não nascerão dele, mas de seu amigo Banquo.)

A tragédia de Macbeth

Parte do peso da cena vem do fato de que os dois papéis principais da tragédia encenada pela primeira vez em 1606 não costumam ser entregues a atores na casa dos 60 anos, como Washington e McDormand; por tradição, eles são personagens mais jovens, ambiciosos por um futuro de glória e por, talvez, numa esperança remota, garanti-lo com o que ainda não têm — um filho. Aqui, entretanto, é o passado quem fala: a descendência que já se tornou biologicamente impossível, as décadas de serviço que parecem tardia e inadequadamente retribuídas, a cumplicidade conjugal longamente cimentada. Mais que ter a ganhar, estes Macbeth e Lady Macbeth sentem já não ter o que perder — uma inflexão acentuada por ainda outra escolha brilhante do diretor Joel Coen (marido e parceiro usual de McDormand e, pela primeira vez, trabalhando sem seu irmão Ethan). Quer seja, a de transformar as três feiticeiras que vaticinam a ascensão de Macbeth em uma única figura triplicada por seus reflexos na água ou pelas vozes diferentes com que fala. Torcendo-se em posições grotescas, empoleirando-se nas vigas do teto ou de pé, imóvel, a atriz Kathryn Hunter perturba e aterroriza com o que obriga o espectador a reconhecer, ainda que não se dê conta disso — que a imagem que Macbeth está vendo é, na verdade, a do seu rancor e seu agravo.

Continua após a publicidade

Grandes obras de Shakespeare

Não há faceta deste Macbeth, na verdade, que não seja excepcional. A sensação de irrealidade em que o enredo transcorre começa pela fotografia em um preto e branco leitoso e difuso no fundo e cortante e ultranítido no primeiro plano, concebida para que os personagens surjam dessa indefinição e caminhem em direção à câmera até os rostos serem enquadrados em closes assombrosos, que lembram muito os de Ingmar Bergman em filmes como O Sétimo Selo. Nas paisagens esparsas, na qual só um ou outro elemento — uma árvo­re retorcida, um casebre arruinado — se destaca, ou em estruturas severas como o castelo de Macbeth, um conjunto brutalista de paredes maciças e ângulos duros, Coen toma do expressionismo alemão dos anos 1920 seu impacto inigualável.

A Tragédia de Hamlet

É um casamento ousado, e formidavelmente bem-sucedido, entre as linguagens do teatro e do cinema: ao mesmo tempo que cria um palco e um procênio, o diretor trata o elemento humano de maneiras que só ao cinema é possível. E, ao contrário do australiano Justin Kurzel na sua versão de 2015, que parecia querer poupar a plateia da poesia em pentâmetro iâmbico de Shakespeare — como se ela só pudesse causar dores de cabeça, e nunca prazer —, Coen a põe em relevo nas diferentes vozes de seu elenco e prova (se necessário fosse) que sempre há boas razões para adaptar Shakespeare: nas cadências fluidas e no sotaque americano de Washington, a música do verso parece nova e, como ela, também a violência terrível de Mac­beth, e a tristeza que o move.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’
A tragédia de Macbeth
Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’
Grandes obras de Shakespeare
Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’
A Tragédia de Hamlet
logo-veja-amazon-loja

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.