Filme ‘Uma Vida Oculta’ fala sobre a recusa de compactuar com o nazismo
Partindo de um caso verídico, o diretor americano Terrence Malick examina a mais virtuosa de todas as hipóteses
Em 1939, Franz Jägerstätter (August Diehl) deixa a mulher, Fani (Valerie Pachner), e as três filhas na fazenda nos Alpes austríacos para o treinamento militar. Em 1940, de volta a casa, vendo a atmosfera tóxica que experimentara no quartel manifestar-se ali em seu vilarejo idílico e antes tão unido, pergunta-se o que estaria acontecendo com seu país, e decide que é impossível a ele compactuar com o nazismo. “Impossível” não é uma aproximação: é a medida precisa da rejeição moral, intelectual e espiritual de Franz à insanidade nacional-socialista. Em 1943, ao recusar-se a fazer o juramento de fidelidade a Hitler, ele começa a pagar o preço de sua consciência — e nem quando esse preço fica insuportavelmente alto Franz consegue transigir.
Partindo de um caso verídico, em Uma Vida Oculta (A Hidden Life, Estados Unidos/Inglaterra/Alemanha, 2019), já em cartaz no país, o diretor americano Terrence Malick examina a mais virtuosa de todas as hipóteses: a de um indivíduo que compreende a gravidade das palavras que diz, a quem repugna a ideia de ocultar convicções justas e que se nega a obedecer a ordens porque elas são ordens — essa, a desculpa predileta de todos os criminosos de guerra nazistas julgados em Nuremberg.
Com seu estilo meditativo, centrado em imagens da natureza e em narrações etéreas, Malick reconstrói o drama íntimo de Franz e o sofrimento de Fani para que, confrontado com eles, o espectador leve esse caso ao seu extremo lógico: se houvesse mais pessoas como Franz, a guerra e o genocídio judeu não se teriam expandido de maneira tão vertiginosa; fossem todos como ele, e o horror teria morrido no nascedouro. É na Alemanha e na Áustria da II Guerra que essa história transcorre, mas é do mundo de hoje que também Malick está falando.
Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676