8 preciosidades escondidas no seu streaming
De grandes dramas, como “Magnólia”, até grandes comédias, como “O Mentiroso”, programação para a semana toda (com sessão dupla no domingo)
Heróis Fora de Órbita (Galaxy Quest, 1999)
Onde: Amazon
Se não há sociólogo capaz de responder por que uma série obscura exibida entre 1966 e 1969 (e cancelada por falta de audiência) virou objeto de fervor religioso, por sorte há filmes como este aqui, capaz de satirizar o culto a Star Trek sem o ridicularizar. Sigourney Weaver, Alan Rickman, Tim Allen e Tony Shalhoub são os atores do velho (e fictício) seriado Galaxy Quest, e seu meio de vida agora é se vestir a caráter e autografar fotos em convenções de fãs mundo afora. Até que esse elenco decadente é contactado por alienígenas que acreditam que aqueles episódios estrambóticos são “documentos históricos”. Ameaçados por um vilão intergaláctico, eles esperam que a “tripulação” os tire da encrenca. Diverte até quem não tem a menor ideia do que seja velocidade warp e é fascinante, como diria o senhor Spock.
A Última Ceia (Monster’s Ball, 2001)
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Em A Última Ceia, todas as pequenas e grandes coisas da vida são passadas de pai para filho como uma herança. O velho Buck (Peter Boyle) foi guarda do corredor da morte na penitenciária da Geórgia. Seu filho, Hank (Billy Bob Thornton), também o é, assim como seu neto, Sonny (Heath Ledger). O neto, porém, não assimilou como esperado os fundamentos da dureza de espírito e do ódio racial. Ao conduzir um negro para a cadeira elétrica, o rapaz tem um acesso de vômito. Mais tarde, o pai o insulta e espanca na frente dos colegas. Entre a população negra da pequena cidade, o peso do preconceito também é sentido como uma tradição imutável. Leticia (Halle Berry), a mulher do preso que Hank ajudou a eletrocutar, tem um aviso de despejo pregado na porta de casa e um filho pequeno que compensa a infelicidade com comida. No dia da execução, ela surra o menino por causa de sua obesidade, que vê como a confirmação do fracasso para um negro. Eis que, um dia, Hank e Leticia se conhecem. A princípio, ele não sabe da coincidência sinistra que os une. Mesmo quando se dá conta dela, continua calado. Os dois têm dramas pessoais que se espelham, e sua aproximação, consumada numa cena desesperada (e célebre) de sexo, é quase inevitável: nas mãos de Thornton e Halle, aquilo que poderia parecer uma fantasia — o amor do branco racista pela negra — vira uma possibilidade real de redenção. Em outras palavras, quando se perde tudo, às vezes perde-se também o que não presta ou não faz sentido.
O Mentiroso (Liar Liar, 1997)
Onde: Netflix
Na resenha que publicou na época do lançamento de O Mentiroso, o grande crítico americano Roger Ebert dizia ter “a suspeita, ou talvez o temor”, de que estava começando a gostar de Jim Carrey. Acertou na mosca: Carrey vinha de comédias não muito prestigiosas (e bem recheadas de baixarias) como Ace Ventura e Debi & Lóide, e até ali fora fácil torcer o nariz para ele. Com O Pentelho e O Mentiroso, porém, ele começava a mostrar para além de qualquer dúvida aquilo que era evidente: seu talento monstruoso. E, assim, Ebert (e eu, e muita gente mais) se pegou adorando o que ele fazia. A ideia do filme é simples, e é tudo de que Carrey precisa: advogado ambicioso e viciado em trabalho, que mente pelos cotovelos e vive dando o chapéu no filho pequeno, ele se vê vítima de um feitiço jogado nele pelo menino: durante 24 horas, não vai conseguir que nem uma mentirazinha sequer saia de sua boca. É antológico, e de rolar de rir.
Magnólia (Magnolia, 1999)
Onde: Netflix
Em 1997, aos 26 anos, o diretor Paul Thomas Anderson fez Boogie Nights, uma espécie de épico sobre como seus protagonistas encontravam uma família postiça na indústria pornográfica de Los Angeles. Dois anos depois, Anderson trilhou o caminho inverso: no belíssimo Magnólia, ele mostra como os laços entre familiares legítimos podem carecer de qualquer autenticidade e deixar saldos trágicos. Nada no filme é convencional. A começar pelo prólogo, formado por um punhado de historietas que tratam de coincidências extraordinárias. Também não há atores principais e coadjuvantes, e sim dezenas de personagens cujas histórias se entrecruzam. Há a caça-troféus (Julianne Moore) que se casou por dinheiro e, agora que o marido está à morte, descobre-se apaixonada por ele. O moribundo tem um filho, um guru de autoajuda (Tom Cruise) que ganha fortunas ensinando os homens a odiar as mulheres. Mas ele detesta mesmo é o pai, que o abandonou à própria sorte com a mãe doente. Outro que tem os dias contados é um apresentador de TV. Próximo do fim, ele não acha forças para reparar um horrível erro do passado – e que pode ser a razão pela qual sua filha é viciada em drogas. Anderson faz chover rãs sobre Los Angeles, põe os personagens para cantarolar junto com a trilha e perscruta os atores (muitos, e todos excelentes) com sua câmera, à cata daqueles pequenos gestos capazes de desnudá-los. E, assim, dá uma leveza inesperada a esse inventário das dores do cotidiano.
Duplicidade (Duplicity, 2009)
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Ray, agente do MI-6, a inteligência britânica, conhece Claire numa festa em Dubai. Passa-lhe uma tremenda cantada, e a cantada cola. Ou isso é o que Ray pensa. Claire, na verdade, é agente da CIA, e desde o início seu alvo era o inglês – que ela larga dormindo, com um sorriso no rosto, mas sem os documentos confidenciais que ele levava. Seis anos depois, Ray e Claire (Clive Owen e Julia Roberts, na maior química) se reencontram. Agora ambos atuam no setor privado, e o acaso dita que eles terão de colaborar numa missão de espionagem industrial. Aliás, tanto pode ser o acaso o responsável por essa reunião, como não: os dois espiões brigam e trocam acusações, mas logo Duplicidade dá pistas de que essa não é de fato a primeira vez que eles se reveem. Assim que essa charada estiver resolvida, porém, várias outras já se terão desenhado. É uma espécie de réplica em tom de brincadeira de Conduta de Risco, o trabalho anterior do diretor e roteirista Tony Gilroy: como naquele seu ótimo drama, aqui existem interesses bilionários e muita traição em jogo. Mas desta vez não há inocentes a prejudicar; todos são ladrões tentando roubar de outros ladrões, e a diversão fica assim autorizada.
Desejo e Reparação (Atonement, 2007)
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Numa mansão no campo, num dia de verão de 1935, Briony Tallis (Saoirse Ronan, em seu primeiro papel), uma petulante aspirante a escritora de apenas 13 anos, lateja de frustração por perceber que não vai conseguir encenar para a família a sua primeira peça. E ela pulsa, também, de ressentimento: da janela de seu quarto, vê a irmã mais velha, Cecilia (Keira Knightley), se despir para entrar numa fonte diante de Robbie (James McAvoy, esplêndido ), o filho da governanta, por quem a menina alimenta uma paixonite. Briony entendeu, da cena, mais do que gostaria de ter entendido; mas não tem maturidade para compreender sua essência. A partir daí, enquanto a trilha sonora acentua a fúria crescente de Briony, todos os outros elementos que estão em jogo nesse dia começam a se avolumar e a se precipitar. Briony conta uma mentira grave, que vai repercutir pelas décadas seguintes; Cecilia e Robbie são engolidos pelo caos; e Briony passará o resto da vida buscando alguma forma de reparação (o “desejo” do título brasileiro é perfeitamente gratuito) pelo crime que cometeu. Dirigido por Joe Wright, de Orgulho e Preconceito e O Destino de uma Nação, o filme é uma adaptação quase à altura (e isso já é muitíssimo) do colosso que é o romance do inglês Ian McEwan. Atenção à seqüência épica da evacuação das tropas britânicas de Dunquerque, em que, em quase dez minutos sem cortes, o diretor compõe um diorama inesquecível do horror da guerra.
Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004)
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De um filme perturbador como Elefante até a mais rasteira comédia adolescente, a conclusão é sempre a mesma: as escolas americanas (e, cada vez mais, também as brasileiras) funcionam como panelas de pressão, ligadas sobre o fogo alto da competitividade e de um sistema de castas que nada fica a dever ao indiano. Pode-se viver nelas como numa corte, no caso dos estudantes populares, ou como num leprosário – destino comumente reservado a qualquer um que fuja do padrão. Desvendar as regras complexas desse universo, mas pelo viés do humor, é a proposta de Meninas Malvadas, que tem uma origem curiosa: um livro que é uma espécie de manual de navegação para pais perplexos, escrito pela consultora Rosalind Wiseman. Primeiro grande trabalho fora da televisão de Tina Fey como roteirista e também atriz (no papel de uma professora), o filme trata de Cady (Lindsay Lohan, uma graça, na fase pré-derretimento atômico), que foi criada na África pelos pais antropólogos e nunca freqüentou uma escola regular – ou seja, não só desconhece seus protocolos, como é uma ignorante também em questões de moda, música, cinema e tudo o que seja assunto entre seus pares. Cady conclui que vai ter de sobreviver num ambiente mais selvagem que a savana, no qual os principais predadores são as Plastics, um trio de garotas lindas, bem-arrumadas e capazes de tiranizar igualmente alunos e professores liderado pela então quase desconhecida, e já ótima, Rachel McAdams. Cady entra como espiã dupla no jogo, sem se dar conta de que ele é tão absorvente e exige tanta dedicação que, sem muita demora, também ela vai se comportar como as inimigas.
Últimos Dias no Deserto (Last Days in the Desert, 2015)
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Desde sua estreia na direção, em 2000, com Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela, o colombiano Rodrigo García, filho do escritor Gabriel García Márquez, se provou tão arguto e perceptivo nas suas observações sobre os dramas interiores de pessoas comuns, e tão minucioso na maneira como dispõe essas observações, que cada filme ou episódio de série que ele dirige (vários, por exemplo, de In Treatment) constitui um prazer distinto. Essa nitidez e essa compreensão iluminam Últimos Dias no Deserto, que trata da etapa final da perambulação de quarenta dias que Jesus fez pelo deserto – durante a qual ele refletiu, jejuou e por três vezes foi tentado por Satã a dar as costas a Deus e abandonar o destino de sacrifício que lhe fora traçado. Os Evangelhos descrevem o episódio de maneira sucinta, e García se aproveita dessa brevidade para imaginar uma versão pessoal. Ewan McGregor, em um desempenho belíssimo, é ao mesmo tempo Jesus e Satã. A tentação que Satã oferece a Jesus não é a vida, ou poder, mas a simples resolução de um conflito. Já perto de Jerusalém, onde em breve será crucificado, Jesus encontra um carpinteiro, a mulher doente dele e o jovem filho do casal (Ciarán Hinds, Ayelet Zurer e Tye Sheridan). O rapaz sonha com uma vida menos árdua que a de seguir os passos do pai, mas se sente atado à obrigação filial. A mãe toma seu partido. Resolva esse dilema a contento de todos os três, diz Satã a Jesus, e eu deixarei você em paz. O diretor usa um viés psicanalítico: um pai e um filho quaisquer vivem as incertezas que atormentam o Filho – entre as quais o temor de ser uma mera continuação, sem identidade própria, do Pai. Assim, termina por colocar o sacrifício na sua terrivelmente dolorosa dimensão humana.