O que nos une é o fato de que todos nós erramos. Nada mais natural, portanto, que ser generoso com os erros — os nossos e os dos outros. É o melhor caminho para construir aprendizados. Quando João Amoêdo despontou na cena política, rapidamente me identifiquei com suas ideias e posturas. Era uma pessoa que abandonara a carreira de sucesso para montar um partido, defendia o uso eficiente do dinheiro público e prometia aplicar ferramentas de boa gestão e governança. Pouco a pouco, contudo, a admiração foi sendo ofuscada pela realidade. Descobri que Amoêdo lavava as mãos quanto à fracassada e exagerada abordagem militar na guerra contra as drogas. A decepção definitiva veio quando descobri que o ministro Ricardo Salles, um tarado pela destruição da Amazônia, era do Partido Novo. Vi seu material de campanha incitando o assassinato dos sem-terra. Fiquei pasmo. Quando o Partido Novo apoiou Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições e renovou o gesto no momento em que ele assumiu o Palácio do Planalto, o desencanto se tornou irreversível. Tudo se perdeu.
Entendo a intenção de combater os imensos erros do PT, mas nunca aceitei que se fechassem os olhos a erros de outras agremiações políticas, e principalmente ao fato de Bolsonaro não rechaçar a proximidade com figuras bizarras que defendem o nazismo. Recordar é viver: vejam nas redes sociais a foto em que “Jair pão com ovo” posou ao lado do sósia de Hitler (imagem que muitos membros da comunidade judaica que apoiam Bolsonaro fingem não existir). Vamos lembrar do ministro que fez um discurso parafraseando Goebbels. Lembremos também do chanceler que apoia seu pai na decisão de não extraditar um carrasco nazista e de todos os discursos de ódio contra negros, gays e mulheres. Lembremos da frase do “pão com ovo” criticando o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por ter uma linha de conduta voltada “quase que exclusivamente para a vida”.
“O movimento de Amoêdo, ao pedir a saída de Bolsonaro, repercute entre os donos do dinheiro”
João Amoêdo não está sozinho. A seu lado estão mais de 200 empresários, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e Elie Horn, referência mundial na filantropia. Entendo as motivações: todos queriam a volta das condições econômicas para a prosperidade da nação.
Todos erraram, e fico feliz, agora, ao ler que Amoêdo pede a saída de Bolsonaro da Presidência. É gesto digno de quem pretende não ter compromisso com seus erros. Não é um fato pequeno, ao contrário. Amoêdo é admirado por grande parte da elite empresarial. Seu movimento repercute entre os donos do dinheiro. Adoraria que outros empresários se mirassem no exemplo de Amoêdo e de outro João, João Doria.
O Brasil já teve no seu time de governo nomes como Fernando Henrique Cardoso, Gilberto Gil, Pedro Malan, Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Marina Silva, André Lara Resende, Paulo Renato, Cristovam Buarque, José Gregori, entre muitos. Amoêdo deu um primeiro passo. Espero que outros façam o mesmo. Não há crescimento econômico sustentável sem educação, saúde, preservação dos biomas e democracia. Caso você duvide da última afirmação, lembre-se de que o primeiro médico chinês a denunciar o coronavírus foi preso, o que retardou o combate ao vírus — que poderia, quem sabe, ter poupado o mundo todo da catástrofe.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684