O que é indecente? A resposta não é simples. O debate pegou fogo recentemente numa escola dos Estados Unidos, a Columbia Preparatory School, na qual foi oferecido aos jovens um curso de estudos críticos de pornografia. O assunto foi parar na grande imprensa. No New York Post, um pai perguntou: “Por que a escola prioriza a pornografia em vez de física, matemática, literatura e poesia?”. Em resposta, o The New York Times publicou um artigo de Peggy Orenstein, conhecida por escrever livros de educação sexual. Para ela, não há dúvida: a maior parte dos jovens já assistiu ou assiste à pornografia — com mais frequência que os adultos, aliás. Geralmente o conteúdo disponível involuntariamente a menores de idade mostra homens fazendo sexo “com” as mulheres, e não “em parceria” com as companheiras. O prazer feminino é restrito a performances para a satisfação masculina e muitas vezes exclui o consenso.
Um estudo recente mostrou que para jovens americanos de 18 a 24 anos a pornografia é uma das formas mais confiáveis de aprender a transar. Entre o público universitário, há a incômoda percepção de que as mulheres são descartáveis e impera a crença dos chamados “mitos de estupro” — ou seja, que a mulher pediu para ser estuprada por causa da roupa ou da bebida. A ideia de realizar cursos para compreensão da pornografia seria, portanto, uma forma de capacitar os jovens a pensar de forma sensata, se proteger e romper comportamentos abusivos passados de geração em geração. Claro, cada um é livre para exercitar seu desejo no campo da fantasia como bem entender, mas limitar a educação sexual a cânones preconceituosos só tem um resultado: negar ciência, praticar desinformação e tornar, na prática, a vida de abusadores mais fácil.
“Não é de hoje que nós, LGBTQs, somos usados como bodes expiatórios”
Digo isso com certa experiência prática. Nas duas excelentes escolas onde fiz os ensinos fundamental e médio, Vera Cruz e Santa Cruz, em São Paulo, não havia nenhum tipo de educação LGBTQ. O resultado foi trágico: bullying e sofrimento. Mas as coisas estão mudando. Recentemente, o jovem Pedro Henrique, de 11 anos, foi constrangido pelo corpo docente e pelos colegas da Escola Estadual Aníbal de Freitas, de Campinas, porque quis fazer um trabalho com temática LGBTQ. Em um primeiro momento, esse jovem herói foi cobrado por pais, alunos e até por uma diretora desinformada. Depois, foi aclamado na internet por sua força de liderança.
Não é de hoje que nós, LGBTQs, somos usados como bode expiatório. Somos acusados de indecentes, enquanto criminosos escondem suas ligações com o crime. O deputado Jean Wyllys, por exemplo, virou alvo preferencial de Jair Bolsonaro e de algumas igrejas evangélicas, que usavam o palanque moralista para esconder delitos. Não é necessário mencionar os crimes do passado cometidos por essa turma conservadora para perceber a que ponto chegamos. Podemos ficar no indecente número de 500 000 mortos por Covid-19, num contexto em que um presidente luta contra máscaras, sonega a compra de vacinas, defende remédios sem eficácia e parece mais preocupado com golden shower, como demonstrou há alguns Carnavais. Com o pé no chão, fica fácil saber o que é de fato indecente.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744