Por que a cultuada série Twin Peaks continua tinindo aos 35 anos
Clássico de tons surreais é relançado no streaming — e prova por que mudou para sempre o modo de fazer séries de TV

A Rainha Elizabeth II estava em uma festa no Palácio de Buckingham, em Londres, quando pediu licença a convidados ilustres, entre eles o ex-beatle Paul McCartney, para se ausentar rapidamente. “Ela explicou que precisava ver TV e disse: ‘Acho que vão revelar quem matou a Laura Palmer hoje’. O próprio Paul me contou essa história”, falou a VEJA o roteirista Mark Frost, cocriador da aclamada série americana Twin Peaks ao lado do cineasta David Lynch (1946-2025). A soberana não estava só: a curiosidade para saber quem era o assassino de Laura, a jovem de 17 anos que aparece morta logo no início de Twin Peaks, se espalhou pelo mundo entre 1990 e 1991, período que abraça as duas temporadas da trama, então exibida com cortes no Brasil pela Globo. Agora, ao completar 35 anos, Twin Peaks e seus derivados — uma terceira temporada, de 2017, e dois filmes — estão reunidos na íntegra na plataforma Mubi.
O interesse renovado pela série na era do streaming atesta sua longevidade e, especialmente, seu legado. “David trouxe a qualidade do cinema para a TV”, analisou a VEJA Dana Ashbrook, ator que deu vida a Bobby Briggs, o namorado-problema de Laura Palmer (Sheryl Lee). A virada de chave permitiu mudanças de formato e narrativa que abriram caminho para a era de ouro das séries americanas: tramas folhetinescas deram lugar à ousadia estética, personagens ambíguos e roteiros sombrios — ou seja, ali estavam as sementes para títulos como Família Soprano, Breaking Bad, Game of Thrones e Succession.

Com a distância do tempo, Twin Peaks levanta um novo mistério: como uma série que desafiou tantas regras se tornou um fenômeno? Indo do romance ao suspense, a trama tem os dois pés fincados no surreal, campo dominado por Lynch, que teve o talento de transformar o absurdo em algo pop. Ao chegar à cidadezinha que dá nome à série e onde o crime ocorreu, o investigador do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachlan) logo se depara com tipos estranhos, como a mulher que anda abraçada a um tronco e o policial que chora diante de qualquer sinal de violência. O próprio Cooper não é lá um cara comum. Em determinado ponto, ele tem um sonho vívido com Laura Palmer e um anão dançarino, experiência que vira evidência da investigação. “O que posso dizer é que há método na loucura”, responde Frost, citando a famosa frase de William Shakespeare em Hamlet. Há mais de três décadas, o mundo entrou nesse sonho maluco — e, que bom, ainda não acordou.
Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952