Os medos da vida real que embalam hits do terror como A Hora do Mal
Filmes como Faça Ela Voltar, A Hora do Mal e Pecadores confirmam 2025 como um ano quente do gênero

Num estranho acidente durante o banho, o pai dos meios-irmãos Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong) morre e os transforma em órfãos. Deixados à deriva, os dois são abrigados por uma assistente social trajada em suéteres vibrantes e resignam-se em ficar ali por três meses, até que o mais velho complete 18 anos e possa se tornar responsável legal pela caçula cega. No mesmo período, contudo, a guardiã vivida por Sally Hawkins planeja usá-los, com outro sinistro filho adotivo, em um cruel ritual que testa os limites da brutalidade imposta a crianças na ficção. Para o público, a angústia é inevitável e as perguntas, inquietantes: como esses jovens escaparão da maldade adulta? Caso escapem, não estão fadados às sequelas do trauma? Por trás das circunstâncias absurdas e terríveis de Faça Ela Voltar (Bring Her Back, Austrália, 2025), já em cartaz nos cinemas, se empilham medos reais e próximos das assombrações do mundo atual — a chamada “adultização” dos menores de idade, os perigos da internet e os extremos violentos aos quais as mentes influenciáveis dos pequenos podem ser levadas.

O filme recém-lançado confirma a força notável do terror em 2025: o ano vem proporcionando uma safra de tramas contundentes e cheias de tutano para os padrões caça-níqueis que o gênero assumiu nos últimos anos. Mais que isso, produções como Faça Ela Voltar e os recentes Pecadores, Extermínio: a Evolução e A Hora do Mal fazem lembrar que o horror, nos momentos mais inspirados, não é só entretenimento fugaz. Todos esses títulos renovam a tradição valorosa de exprimir, por meio da fantasia macabra, temores e ansiedades palpáveis do nosso tempo. Não abdicam, inclusive, de mexer em vespeiros políticos e comportamentais dos quais a indústria de Hollywood tem fugido como se estivesse diante de um demônio de filme de terror na era da polarização e do irascível governo Donald Trump.
Um exemplo lapidar é fornecido por A Hora do Mal. No longa do diretor Zach Cregger, dezessete crianças de uma mesma sala de aula acordam em uma noite qualquer e fogem de suas casas. Aos adultos, resta procurar um culpado pelo sumiço, comportamento que mergulha a cidade suburbana em pânico moral. Concatenados, os elementos evocam tiroteios escolares nos Estados Unidos, 228 dos quais ocorreram nos últimos sete anos, sete deles no primeiro semestre de 2025.

O mal-estar coletivo é subjacente à trama e torna-se explícito numa cena psicodélica que faz menção às armas de fogo. Questionado pela Variety sobre sua intenção por trás da alegoria, Cregger foi vago e misterioso como os desvãos humanos explorados por seu filme: “Gosto da ideia de que cada um terá sua própria reação, seja achar a cena chata, seja enxergá-la como uma declaração política”. Com humor surpreendente e uma das mais pitorescas histórias de bruxaria já vistas na tela, o filme provou ter apelo universal: já rendeu mais de 148 milhões de dólares e esbanja elogios da crítica — para muitos, é o melhor do gênero no ano.
Mas a disputa é acirrada. Se A Hora do Mal é uma curiosa comédia de erros do horror, Pecadores promove um cruzamento estético ainda mais engenhoso: é um musical que alude aos fantasmas raciais americanos enquanto fala de vampiros e faz uma jornada pela cultura negra do sul do país. Situado em 1932, acompanha irmãos gêmeos negros num ambiente onde impera a segregação. O par de mafiosos quer abrir a própria boate para seus conterrâneos, mas a inauguração é atrapalhada por um trio de vampiros brancos sedentos à la Um Drink no Inferno (1996). O longa, primeira trama original de Ryan Coogler, de Pantera Negra, mistura faroeste e terror com números musicais de coreografia inventiva, que passam pela tradição afroamericana e irlandesa, debatendo os efeitos da colonização e o temor das minorias em ser subjugadas. A partir de tal amálgama singular, tornou-se o terror mais rentável do ano, com mais de 365 milhões de dólares arrecadados ao redor do globo, quatro vezes seu orçamento.

O bom momento do terror, aliás, não é apenas americano, mas global — e reflete questões universais a partir das realidades de diferentes culturas. Em Faça Ela Voltar, a questão do abuso infantil é vista por um prisma australiano, mas válido em qualquer sociedade sob o efeito insidioso das redes sociais. No caso de Extermínio: a Evolução, criado por uma dupla inglesa, o mordaz roteirista Alex Garland e o diretor Danny Boyle, a inspiração assumida é o Brexit. O longa se debruça sobre a ideia de um país isolado cheio de civis reacionários que temem a guerra e, paradoxalmente, se preparam para ela — ainda que seus inimigos sejam zumbis. Considerando que o único lançamento atrelado a uma franquia é Extermínio e que todos os demais são frutos inéditos de 2025, a safra promete. Afinal, nossos medos de cada dia não têm fim.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958