Oliver Stone faz de Lula um herói injustiçado em filme lançado em Cannes
Documentário foi exibido neste domingo no Festival na França
Aos 77 anos, o cineasta americano Oliver Stone coleciona prêmios ao longo de sua vasta carreira no cinema. Vencedor de dois Oscar com Platoon (1987) e Nascido em 4 de Julho (1985), ele costuma transpor para as telas dramas de ficção baseados em histórias reais, cujo protagonistas, em geral, são pessoas desiludidas com o governo americano e suas ações contestáveis. Progressista assumido, sua verve mais radical costuma aflorar na produção de documentários, geralmente para exaltar líderes mundiais controversos, por quem não disfarça a admiração. Fidel Castro, Vladimir Putin e Hugo Chávez já foram tema de filmes assinados por ele. Agora, Stone adicionou um novo personagem à sua filmografia: o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal estrela do longa metragem Lula, lançado neste domingo, 19, no prestigiado Festival de Cannes.
Da pobreza à presidência
“Todos aqui adoram Lula”, disse o anfitrião Thierry Fremaux, ao receber no palco do evento Stone e seu colega Rob Wilson, com quem assina o trabalho. O diretor não titubeou em sua resposta e disse que admirava muito o presidente brasileiro, por sua origem das classes mais baixas. “Mas sei que as classes mais ricas o detestam”, provocou.
O documentário traz logo de início uma das primeiras entrevistas de Lula a Stone. O mandatário é apresentado na tela sob diferentes perspectivas, desde sua origem política no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, até a conquista da presidência da República pela terceira vez.
Diante das câmeras, Lula narra sua história, passando pela infância pobre no interior de Pernambuco e pelo trabalho como operário nas fábricas da Grande São Paulo: “fui o primeiro filho da minha mãe a ganhar mais do que um salário mínimo, e a ter uma casa, um carro, uma televisão”, conta. O ingresso na vida pública é narrado quase como uma revolta: “Eu nunca gostei de política. Mas quando visitei o congresso e vi que nenhuma cadeira era ocupada por um representante dos trabalhadores, tive a ideia de criar o PT”.
Lava jato
Em tom bastante chapa-branca, as eleições perdidas em 1989 logo dão espaço à primeira vitória, em 2002, e aos dois mandatos que, segundo o documentário, trouxeram prosperidade para o país. O foco do filme, no entanto, se concentra no período entre 2016 e 2019, quando o então ex-presidente foi julgado e condenado na Operação Lava Jato.
“Lula foi preso por uma armação. Ele provou isso no filme, ao dizer que foi preso após o que na América do Sul e em outros países é chamado de ‘lawfare‘, exploração política da Justiça que consiste em colocar alguém atrás das grades com a ajuda de um grande número de políticos”, disse Stone em uma entrevista concedida à organização do festival.
A narrativa intercala o relato de Lula, muitas vezes em tom ben humorado, e as declarações do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, responsável por revelar o conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e integrantes do Ministério Público, durante o julgamento. O diretor também colheu depoimento de Walter Delgatti, hacker responsável por invadir os telefones de Procuradores de República e outras autoridades, condenado na Operação Spoofing, que investigou o caso conhecido como Vaza Jato.
Embora não exista qualquer evidência do envolvimento do governo dos Estados Unidos no episódio, Stone não deixa de apontar o dedo para seu principal inimigo: “nada de importante acontece nos países latino-americanos sem pelo menos uma participação dos Estados Unidos”, diz Greenwald em uma de suas falas.
Panfletagem
Nos últimos minutos do filme, o diretor explora a tensão das horas finais de contagem de votos, no segundo turno da eleição de 2022. Este é o único momento em que Stone trata do processo de polarização que marca a realidade brasileira atualmente. “Eu estou apaixonado novamente, e poderia largar tudo isso para viver um fim de vida feliz com Janja. Mas o Brasil precisa de mim”, diz Lula a Stone, sem disfarçar exibir qualquer sinal de modéstia. O filme termina em tom emocionante, com ares de programa do horário eleitoral. Recém-eleito, ele se dirige à nação: “vou governar para todos os brasileiros, principalmente para os menos privilegiados”.
No seu depoimento aos organizadores do evento, Stone não escondeu a intenção de seu documentário: exaltar a figura de Lula em nível mundial. “É um homem nobre. Penso que representa algo que esquecemos em grande parte: podemos ter bons presidentes liberais. Não precisamos de guerra. Ele é um dos homens mais pacifistas que conheço no mundo e tem o poder de fazer com que os países mudem as suas políticas”, completa.