O ator com rosto desfigurado de um filme que desafia Hollywood
O filme Um Homem Diferente contrapõe dois atores com rosto deformado por uma condição genética — um deles, real — para falar de preconceito

Edward Lemuel (Sebastian Stan) leva uma vida monótona em Nova York. Aspirante a ator, ele mora em um apartamento velho no Brooklyn e lida diariamente com encaradas e desvios de olhares por causa de sua condição: diagnosticado com neurofibromatose, conjunto de doenças genéticas raras que podem acometer a pele, os olhos e o sistema nervoso, o homem tem o rosto tomado por tumores que alteram drasticamente suas feições. A coisa muda de figura quando, secretamente, ele entra em um experimento médico que o cura da doença, assumindo o visual de um galã padrão dos cinemas. Com o novo rosto, Edward — ou Ed, como também é chamado — finge ser outra pessoa e consegue um papel na peça de sua vizinha que tem como protagonista um homem desfigurado — que foi inspirado, quem diria, nele mesmo. A nova aparência, no entanto, não é suficiente para aplacar suas carências profundas após anos de retração, e ele passa a se sentir ameaçado por Oswald (Adam Pearson), ator que lida com a mesma condição genética — mas que, ao contrário dele, se sente extremamente confortável na própria pele.
Dirigido por Aaron Schimberg, Um Homem Diferente chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira 12, com uma narrativa que analisa as reações humanas às diferenças físicas, inseguranças que vão além da aparência, do isolamento social autoimposto e também do trato de Hollywood com doenças assim. Nascido com uma fenda no palato, o diretor aborda o tema com frequência em sua filmografia e decidiu fazer o longa depois que a escalação de Adam Pearson — que tem neurofibromatose e já passou por 39 cirurgias ao longo da vida — para seu filme Chained for Life (2019) foi criticada e apontada como exploratória. “Se você não pode escalar alguém com desfiguração, então você tem de escalar pessoas com próteses, e isso realmente vai contra o que consideramos representatividade”, explicou o diretor à revista Vulture. A ideia do filme é contrapor essas duas visões: no início, Stan dá vida a Edward com auxílio de próteses e maquiagem pesada, até passar pelo procedimento médico arriscado. Depois, Pearson entra em cena com seu rosto real, levando à trama uma imagem menos estereotipada da sua condição.
Com a metalinguagem, por sinal, o diretor aponta o dedo para a própria indústria do cinema — que, ao longo dos anos, representou rostos desfigurados nas telas valendo-se de atores com maquiagem e próteses, como em O Homem Elefante (1980), Marcas do Destino (1985) e, mais recentemente, Extraordinário (2017). Ao expor as aparências como elas são, Um Homem Diferente traz um avanço bem-vindo.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922