‘Meninas Malvadas’: elenco fraco e pop genérico emburrecem o clássico
Quase vinte anos após o lançamento original, a comédia ganha remake musical com rostos novos e piadas velhas
É o truque mais velho da Broadway, onde um sucesso vale por dois: faça um musical aclamado e ganhe uma adaptação hollywoodiana — ou, vice-versa: pegue um sucesso de bilheteria e crie canções para encher teatros. Fora exceções, a diluição do material cinematográfico costuma desaguar em mediocridade cênica. Vide Meninas Malvadas, transformado em narrativa ainda charmosa, mas piegas, no musical dos palcos de 2018. Indicado a doze prêmios Tony e perdedor de todos, o espetáculo manteve-se de pé até o golpe da pandemia, vivendo desde então por meio de montagens escolares e da adoração de adolescentes aficionados ao teatro musical. Marmita duplamente requentada, o remake Meninas Malvadas: O Musical, logo, tinha como desafio equilibrar os elementos dos dois antecessores e apresentar algo novo ao público do cinema internacional, preenchendo os saltos altos de uma das comédias mais vangloriadas e reproduzidas dos últimos vinte anos. O resultado, porém, desafina feio e reprova na tarefa.
A história permanece a mesma: Cady Heron (Angourie Rice) se muda de uma base na selva queniana para um subúrbio americano, onde deixa de ter a mãe como professora para frequentar uma escola comum do país. Lá, ela descobre outro ecossistema selvagem quando os párias Damian (Jaquel Spivey) e Janis (Auli’i Cravalho) a recrutam para um golpe contra as três patricinhas soberanas do colégio: Regina George (Renée Rapp), Gretchen Wieners (Bebe Wood) e Karen Shetty (Avantika). A agente infiltrada, no entanto, acaba sendo gradualmente seduzida pelo poder das colegas, sendo levada para o lado rosa do status quo. O que justifica o remake são as canções pop e números fantasiosos que o adornam, além da ambição de atualizar a narrativa para a Geração Z.
Para tal, o filme enfeita o enredo com uma enxurrada de smartphones que pouco servem para fazer a história mais atual. Pelo contrário, a intervenção digital limita os enquadramentos a telas claustrofóbicas e tornam a história datada. Já as músicas, adaptadas para o pop radiofônico próprio do TikTok, perdem a ênfase nas letras e se tornam genéricas, encenadas em números que perdem as piadas e habitam um limbo grotesco entre exagero e modéstia, amputados do restante do filme por mudanças de proporção e trocas de cenário e iluminação próprias de videoclipes, mas sem expressão dramática. No intervalo entre números, o longa segue o texto original ao pé da letra como um cover ruim e se justifica nos lampejos de publicidade — menções à marca de maquiagem Elf e a celulares dobráveis da Samsung, por exemplo —, atenuando as pontas mais agudas do humor original para se adequar ao cinema young adult.
No centro de tudo, um elenco enfraquecido pela direção caminha entre o texto falado com o cantado, sem respiro para estabelecer os maneirismos de seus personagens para além do imaginário pré-estabelecido na franquia. A queda de qualidade fica clara na temida Regina George, que ganha apenas um bom diálogo original lá pelos últimos 10 minutos do longa. Unidimensional e monótona, a personagem perde nuance e se torna apenas ameaçadora na versão de Rapp, que rosna e seduz entre melismas, mas não estabelece química alguma com quaisquer colegas de cena, tampouco tem espaço para experimentar com a comédia física. Já a protagonista Angourie Rice, pelo contrário, jamais deixa a ingenuidade de lado, convencendo pouco na transformação de Cady e menos no romance com o engessado Aaron Samuels (Christopher Briney). Com exceção de Jaquel Spivey, excelente narrador, a anemia criativa se apodera de todos os intérpretes, pouco apoiados por um departamento de figurino preguiçoso e pela clara ausência de visão da dupla de cineastas Samantha Jayne e Arturo Perez Jr.
No Meninas Malvadas de 2004, Tina Fey teceu um roteiro de muito dinamismo e pouco pudor, cujas farpas refletiam a falta de censura difundida pela crueldade adolescente. O olhar honesto despia a misoginia que moldava hierarquias comuns ao ensino médio e, simultaneamente, promovia valores aos quais jovens mulheres podiam se identificar, como solidariedade e rejeição a pressões estéticas. Além do mais, suas sacadas eram simplesmente engraçadas e afiadas — sem o apoio fácil de referências culturais específicas, nostalgia pré-existente ou didatismos, boas o suficiente para que estúdios se interessassem em repeti-las anos depois, assim como popstars as utilizam para amplificar singles feitos em laboratório e marcas para vender quinquilharias sortidas. Raios, infelizmente, não caem duas vezes no mesmo lugar — e, por mais que a indústria insista, histórias não são telefones com obsolescência programada e caderno de relançamentos. Depois de vinte anos, aquele Meninas Malvadas cheio de farpas de Tina Fey segue novo em folha — e seu remake já é página virada no indefectível Livro do Arraso das personagens.
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