Jafar Panahi: o cineasta que virou o terror dos aiatolás do Irã
Proibido de fazer filmes pela ditadura do Irã, o diretor desafia regime trabalhando de modo clandestino — como no ótimo Foi Apenas um Acidente
O cineasta iraniano Jafar Panahi, 65 anos, estava numa van com sua equipe em Teerã meses atrás quando recebeu um alerta: a polícia estava a caminho para recolher o material rodado até ali. Desde 2010, Panahi foi judicialmente proibido de fazer filmes pela ditadura xiita do Irã. A sentença, que o acusa de fazer “propaganda contra o regime”, foi de seis anos de prisão e vinte sem poder exercer o ofício de cineasta. Logo, ele não poderia ser pego com a mão na massa. Ao saber da emboscada, escondeu câmeras e filmagem. Mesmo assim, no dia seguinte, uma parte da equipe foi detida. Ele então se adaptou e resumiu o que seria feito naqueles dias com um time menor. Desse esforço nasceu o acachapante Foi Apenas um Acidente (Yek Tasadef Sadeh, Irã/França/Luxemburgo/Estados Unidos, 2025), em cartaz nos cinemas. “Eu aprendi a fazer filmes em segurança”, disse ele com calma admirável no Festival de Cannes em maio, quando ganhou a Palma de Ouro — e disparou na corrida pelo Oscar de melhor filme internacional, categoria que deve disputar com o brasileiro O Agente Secreto.
A ousadia do diretor em desafiar as autoridades locais, infelizmente, cobrou seu preço. Na segunda-feira 1º de dezembro, Panahi foi condenado a mais um ano de prisão pelo Irã e a dois sem poder sair do país, sob a mesma acusação de 2010 — ele estava nos Estados Unidos quando soube da sentença. A retaliação atesta uma verdade inequívoca: poderoso, o cinema é capaz de assustar ditadores de todos os tipos — e os que se arriscam a fazê-lo se tornam faíscas notáveis de resistência. Não à toa, a produção iraniana se impôs como uma fonte riquíssima de criação na última década, tendo Panahi como um vigoroso expoente.
Quando recebeu a primeira condenação, o diretor driblou a frustração com sagacidade ao fazer, dentro de casa, o documentário Isto Não É um Filme — a produção de título irônico foi contrabandeada em um pendrive dentro de um bolo para o Festival de Cannes, em 2011. Liberado da prisão domiciliar, começou a trabalhar como taxista. Viu ali outro cenário para um filme. Gravou corridas, misturando personagens reais e atores, origem do gracioso e afiado Táxi Teerã (2015), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Na época, sem poder viajar, não foi à cerimônia de premiação.
Panahi continuou trabalhando de modo clandestino e ganhando respeito internacional. Voltou a ser preso em 2022, ao apoiar as manifestações movidas pela morte da estudante Mahsa Amini, espancada pela polícia da moralidade por não usar o hijab da forma adequada. Panahi ficou sete meses no presídio, causando comoção por sua soltura — o que aconteceu quando ele fez uma greve de fome por dez dias. Longe de se retrair com o evento, saiu de lá com uma nova ideia: dos relatos de prisioneiros que passaram por interrogatórios violentos na cadeia surgiu Foi Apenas um Acidente.
Na trama, um grupo de dissidentes acredita ter sequestrado seu torturador — como estavam de olhos vendados, precisam checar a identidade do homem. Na inusitada comédia de erros, ambientada principalmente em uma van, eles transitam por Teerã em busca de informações enquanto decidem o que fazer: seria a vingança o caminho certo? Afinal, optar pela violência fará com que eles se igualem aos que os oprimem. Panahi discorre sobre o que é a humanidade para além do molde imposto pelos ditadores — reflexão que tira o sono dos aiatolás.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973







