Compositor de ‘Mufasa’, Lin-Manuel Miranda fala a VEJA sobre trilha sonora
Americano compôs sete músicas inéditas para a sequência de 'O Rei Leão', em cartaz nos cinemas

Após o sucesso do remake hiper-realista de O Rei Leão, que em 2019 arrecadou mais de 1,6 bilhão de dólares em bilheteria ao redor do globo, a Disney apostou em uma sequência dirigida pelo oscarizado Barry Jenkins, de Moonlight: Sob a Luz do Luar. Sob o título de Mufasa: O Rei Leão, o novo longa — em cartaz no país desde quinta-feira, 19 — conta a história de origem do pai de Simba e expande o universo sonoro da animação com sete novas canções. Quem assina a trilha sonora é o americano Lin-Manuel Miranda, compositor premiado pelo musical Hamilton, da Broadway, e responsável por hits de filmes da Disney como Moana e Encanto. Em entrevista a VEJA, ele falou sobre o desafio de seguir os passos de Elton John como compositor de O Rei Leão, a influência da música africana em suas composições para o longa e mais. Confira os principais trechos:
Foi intimidador seguir os passos de Elton John como compositor principal de O Rei Leão?
Sim e não. Quero dizer, acho que se o único material [de O Rei Leão] existente fosse a animação de 1994 e nada mais, eu provavelmente teria dito não. Cada canção naquele filme é um clássico. E são apenas cinco músicas, é uma loucura pensar nisso. Mas todas são sucessos: Ciclo Sem Fim, Se Preparem, O Que Eu Quero Mais é Ser Rei, Esta Noite o Amor Chegou e Hakuna Matata. Todas são incríveis. O que me deixa grato, e o que achei que poderia ser útil, é que um universo musical maior surgiu depois daquele primeiro filme. Não apenas o musical da Broadway, que realmente expandiu a paleta sonora do que é O Rei Leão – achei que Julie Taymor [diretora da peça] fez um trabalho incrível ao trazer ainda mais das raízes africanas da música para a narrativa. Além disso, o remake de 2019 tem o álbum complementar The Gift, da Beyoncé, que tem músicas incríveis como Other Side, Brown Skin Girl e Spirit. Quando você olha por essa perspectiva, percebe que O Rei Leão conta com um clube de compositores incríveis. Não é apenas Elton John, Tim Rice e Hans Zimmer. Também temos Lebo M, Mark Mancina, Beyoncé, Beau Black – que supervisiona as músicas da série A Guarda do Leão –, todos são músicos incríveis. Então eu pensei, “Ok, este é um clube legal para se fazer parte.” Nunca pensei que estaria apenas seguindo os passos de Elton John. Isso, sim, seria assustador. Participar desse projeto foi como fazer parte de um grupo de compositores muito talentosos que criaram esse universo sonoro.
Como o senhor mencionou, Lebo M [compositor responsável pelos arranjos da trilha sonora da animação de 1994] está de volta neste filme. A autenticidade tem sido uma prioridade para a Disney em todos os seus lançamentos recentes. Quanto a música africana o influenciou durante a composição dessas novas músicas?
Cem por cento. E acho que isso está totalmente alinhado com o modelo estabelecido pelo filme original. A primeira voz que você ouve quando vê aquele nascer do sol desenhado à mão é a do Lebo cantando “Nants ingonyama bagithi baba”! E quantos de nós já seguramos um bebê ou um cachorro de pelúcia e cantamos esse trecho da música? Isso se infiltrou na cultura global. Eu tive a sorte, em Moana, de trabalhar com Mark Mancina, que fez os arranjos para as minhas músicas e trabalhou comigo e Opetaia Foa’i [compositor]. Ele foi o terceiro membro da nossa equipe de composição naquele filme. E eu sabia que ele tinha trabalhado no musical de O Rei Leão na Broadway e no filme original com Lebo. Então fiquei muito animado em saber que todos nós trabalharíamos juntos em Mufasa. A parte mais divertida para mim foi apresentar meus rascunhos “lin-manuel mirandescos” e ver Mark e Lebo criarem arranjos e contrapontos que realmente elevaram o material e o fizeram parecer parte do universo de O Rei Leão. Mas, sabe, antes mesmo de me sentar ao piano para compor, eu ouvi o máximo possível de música da diáspora africana – o estilo de música que influenciou o filme original –, e também ouvi muitos sons africanos contemporâneos. Ouvi muito disso para me basear naquelas mesmas tradições rítmicas e musicais.
Narrativamente, há um paralelo entre a história de Mufasa neste filme e os outros trabalhos do senhor, que costumam tratar da ascensão de personagens da miséria ao poder – como o musical Hamilton, por exemplo. Para o senhor, por que essa trajetória de aspiração política ainda é tão fascinante criativamente?
Engraçado, eu nunca pensei muito sobre a estrutura política de O Rei Leão. Tenho certeza de que há dissertações sobre isso, mas o que realmente me interessa nessa história é a noção do ciclo da vida. No filme original, o Mufasa diz ao filho que existe um equilíbrio entre os seres. É como dizem em Hadestown [musical da Broadway], se ninguém pegar mais do que precisa, sempre haverá o suficiente para todos. Somos predadores nesta vida, mas podemos ser grama na próxima, ou talvez antílopes. É um ciclo, e nosso papel é manter o equilíbrio nesse ecossistema. O vilão de Mufasa desafia a noção do ciclo da vida, chegando a dizer que essa é uma história de ninar que os predadores contam aos seus filhos. A diversão está em pegar essa ideia e explorá-la de maneiras novas.
Você trabalha há 10 anos escrevendo letras para os musicais da Disney. Há um padrão no som que você busca para esses filmes?
Isso é interessante. Eu sempre me vi como herdeiro de uma tradição que vai muito além de mim. Quando fui escalado para trabalhar em Moana – e isso foi antes mesmo de Hamilton estrear –, a primeira coisa que fiz foi pedir à Disney para assistir entrevistas antigas de Howard Ashman [compositor da trilha sonora de A Pequena Sereia, A Bela e a Fera e Aladdin] com os animadores dos filmes. Eu queria entender como ele conseguiu trazer o que fazia com tanta sensibilidade nos palcos da Broadway para a Disney. Tento continuar essa tradição e também incorporar momentos novos aos filmes, que ainda não foram explorados pelo estúdio. Uma coisa interessante sobre compositores é que raramente disputamos o mesmo trabalho, porque cada um faz o que faz de forma única. Se você desse a mim e a Robert Lopez [compositor de Frozen] a mesma tarefa, cada um de nós criaria algo completamente diferente. Sei que não estou competindo pelos mesmos trabalhos que ele, e vice-versa. Por isso, podemos ser amigos. Essa é uma das alegrias de escrever músicas para a Disney, você faz parte de uma comunidade em que pode contar com os outros.
Faz quase 10 anos que Hamilton estreou, inicialmente como uma produção off-Broadway, e você não fez outro musical desde então. Como você acha que o meio do teatro musical mudou de lá para cá? O que te interessa ou te incomoda na Broadway hoje?
É complicado. Amo escrever musicais para o palco, mas não acho que a Broadway seja o começo e o fim de tudo. Acho que, globalmente, colocamos pressão demais na ideia de que “todo musical precisa estar na Broadway para ser considerado um musical”. Eu trabalhei em um musical chamado Bring It On, que foi projetado para ser uma turnê. Queríamos criar um espetáculo que fosse incrível para adolescentes. Mas os produtores ficaram presos num dilema: não conseguiríamos agendar turnês a menos que o musical tivesse passado pela Broadway. Então, quanto mais cedo conseguirmos abandonar essa mentalidade de que a Broadway é o selo de aprovação que torna um musical “bom”, melhor. Isso não é verdade. Há histórias incríveis no teatro musical que nunca chegaram perto da Broadway. Dito isso, me sinto muito sortudo que Hamilton encontrou seu lugar e está entrando em seu décimo ano na Broadway. Sei como é raro um espetáculo ter esse tipo de longevidade. Acho que teatro musical é a coisa mais difícil de acertar, e acho que é por isso que continuo voltando para ele, porque é desafiador. É difícil fazer todos os elementos trabalharem juntos na mesma direção. Mas quando isso acontece, esses momentos realmente te impactam de uma forma que quase nenhuma outra mídia consegue fazer. Isso me diverte.
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