Com sangue brasileiro, Mia Goth vira musa dos filmes de terror cult
À frente do sinistro 'Pearl', a neta de uma conhecida atriz das novelas nacionais exercita todo seu talento
No celeiro da fazenda onde mora, a aspirante a bailarina Pearl mostra ao novo amigo, projecionista de cinema local, os animais para os quais faz seus shows particulares — incluindo vacas e cabras. O rapaz, porém, sente que há algo de errado desde que pisou na casa da moça: está um caos, e sons de batida vêm do porão. Receoso, ele decide ir embora, mas a jovem irrompe num surto de fúria — que termina com ela enfiando um forcado no peito do visitante e dizendo que ninguém vai impedi-la de se tornar uma estrela. Ainda que o desequilíbrio mental seja patente na protagonista de Pearl (EUA/Canadá/Nova Zelândia, 2022), já em cartaz no país, sua dança e seus trejeitos revelam-se estranhamente sedutores — o que só vem comprovar o talento de sua intérprete. A atriz Mia Goth, de 29 anos, é a nova musa dos filmes de terror cult — produções que, além das cenas horripilantes, mergulham nas angústias humanas.
Ambientado no Texas durante a I Guerra, o longa é um prelúdio sobre a origem da vilã de X — A Marca da Morte (2022), sucesso do horror que abriu a trilha da fama para Mia. Naquele filme, a atriz se desdobrava entre os papéis da jovem heroína Maxine e da versão idosa de Pearl — que nunca superou não ter se tornado dançarina e faz uma carnificina com jovens que vão à sua fazenda para gravar um filme pornô nos anos 1970. Com seu exame dos demônios internos da assassina em sua juventude, Pearl agora dá todos os recursos para a atriz mostrar seu potencial. “Foi incrível ter a chance de mergulhar tão a fundo na personagem”, afirma.
De quebra, ela põe o legítimo sangue brasileiro no altar do gênero. Apesar de nascida na Inglaterra, Mia Gypsy Mello da Silva Goth é neta de uma figurinha conhecida do cinema marginal e das novelas brasileiras: a atriz carioca Maria Gladys. Na ditadura militar, nos anos 1970, Gladys se exilou em Londres. Lá, abraçou os prazeres hippies, do uso de LSD à curtição do rock’n’roll. Quando voltou ao Brasil, estava grávida de Rachel — a filha foi fruto da relação com o artista americano Lee Jaffe, e mais tarde lhe daria a neta estrela de Hollywood.
Mia passou parte da infância no Brasil com a avó, mas foi só quando retornou a Londres que sua carreira deslanchou. De sobrancelhas claras e beleza singular, a jovem despertou interesse, a princípio, no mundo da moda. No cinema, fez sua estreia em 2013, aos 20, no controverso Ninfomaníaca: Volume 2, do dinamarquês Lars von Trier. Depois disso, Mia comeu pelas bordas em papéis coadjuvantes, como no remake do terror italiano Suspiria. O ponto de virada aconteceu em X, quando deu vida não só à sua primeira protagonista, a atriz pornô Maxine, como à antagonista, a velha assassina Pearl.
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Explorar o passado da vilã em outro longa já era um plano do diretor Ti West, mas foi só após conversar com Mia sobre a ideia que o prelúdio ganhou vida. Além do trabalho na frente das câmeras, a atriz colaborou com o roteiro de Pearl, ajudando a criar a história conturbada da personagem. Na contramão de Jenna Ortega, princesinha do horror de franquias pop como Pânico e do hit Wandinha, Mia escolheu o caminho das produções independentes ditas “de prestígio” — e seus próximos projetos atestam essa opção, de Infinity Pool, suspense visceral que traz a atriz ao lado de Alexander Skarsgård, ao aguardado MaXXXine, filme que encerrará a trilogia X. A britânica com DNA nacional vai longe — e é um orgulho da vovó.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828
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