‘Babilônia’: Margot Robbie vive perrengues de era mágica do cinema
Em foco no novo filme do diretor de 'La La Land', uma terra fértil para sonhos meteóricos e quedas vertiginosas
Nellie Laroy (Margot Robbie) é uma mulher deslumbrante, mas de modos grosseiros. Paupérrima, ela escolheu seu nome artístico ao ouvir que a palavra “roy” significa “rei” em francês. Nellie crê que nasceu para ser da realeza — e o reino mais próximo a ser conquistado, com súditos calorosos, é Hollywood. A chegada da aspirante a atriz como penetra à festa de um ricaço em Los Angeles resume a atmosfera alucinante de Babilônia (Babylon, Estados Unidos, 2022), já em cartaz no país. São os loucos anos 1920, e o evento faz jus à época: a mansão é palco de uma orgia gigantesca, com drogas e bebidas à vontade. Nellie chama a atenção de um produtor que a manda direto para o set de filmagem na manhã seguinte. Qual não é a surpresa geral quando a moça, que seria mais um rostinho bonito entre tantos outros, revela um talento para o ofício de atuar. Nada indica, porém, que seu conto de fadas vai desembocar em um final feliz.
Vocês ainda não ouviram nada: a barulhenta história do cinema mudo
Jovem de ascensão fulminante em Hollywood, o diretor Damien Chazelle, 38 anos, tem como matéria-prima de seus filmes o irresistível pendor humano para sonhar, e as consequências que essa busca acarreta. No colorido musical La La Land, seu longa mais famoso, o cineasta americano acompanha um músico e uma atriz que terão de escolher entre o amor e a carreira. Em Whiplash, seu melhor filme, Chazelle transforma o sonho de um baterista em um pesadelo violento quando ele acaba sob a tutoria de um professor tóxico. Ao longo de três horas de duração, Babilônia mescla elementos explorados nesses dois trabalhos anteriores. “La La Land é uma carta de amor melancólica ao cinema; agora, eu quis olhar para a sujeira debaixo do tapete”, disse Chazelle em entrevista a VEJA. “É o lado bom e ruim da nossa história, nossa origem.”
Na era do cinema mudo, a meca da produção cinematográfica parecia um universo paralelo: no breve interregno do entreguerras, a ousadia e a liberação dos costumes grassavam — um clima soltinho que seria solapado pela depressão econômica dos anos 30 e pelos traumas da II Guerra, dando lugar a uma onda cultural conservadora e recatada. Enquanto Nellie atinge o estrelato no período, o astro Jack Conrad (um divertido Brad Pitt) se prepara para a próxima revolução no setor: o cinema falado. A mudança é catastrófica para ambos. Nellie não tem vocabulário ou sotaque adequados para filmes com voz, e Jack deve desaprender tudo o que sabe sobre atuação e recomeçar do zero.
A trajetória da dupla é acompanhada de perto por Manny Torres (Diego Calva), um mexicano que vai de faz-tudo a produtor-executivo de um grande estúdio. A diversidade, esse item tão buscado nos dias de hoje, era então surpreendentemente orgânica: antes de ser um negócio lucrativo dominado por homens brancos, o cinema americano tinha muitas mulheres nos bastidores, além de negros e imigrantes latinos e asiáticos.
Boa parte dos personagens de Babilônia, aliás, é inspirada em figuras da vida real. O mestre do jazz Louis Armstrong (1901-1971) serviu de espelho para o trompetista Sidney Palmer (Jovan Adepo), músico negro que cai nas graças de Hollywood para, mais tarde, ser humilhado por ela. Pitt faz uma junção de galãs do cinema mudo que não vingaram na era falada — entre eles Douglas Fairbanks (1883-1939), de A Marca do Zorro (1920). Já Margot Robbie é uma alusão direta a Clara Bow (1905-1965), a primeira “namoradinha” do cinema americano. De origem humilde, Clara, antes do ostracismo, protagonizou o primeiro filme vencedor do Oscar, o drama de guerra Asas, de 1927. Como narra a Bíblia, a Babilônia era um reduto de pecadores — o que não a impediu de moldar a civilização. A seu modo, Hollywood foi (e continua a ser) um perigo para os desavisados — mas um campo fértil para sonhadores.
Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825
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