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‘The Crown’: As consequências da entrevista bombástica de Diana à BBC

Mais de duas décadas depois, uma investigação detalhou como um repórter manipulou a princesa para a entrevista — evento hoje atrelado à morte dela

Por Gabriela Caputo 21 nov 2022, 09h57

A quinta temporada de The Crown, lançada recentemente pela Netflix, se debruça sobre acontecimentos espinhosos que rodearam a família real britânica na década de 1990. Na época, o então príncipe Charles e a princesa Diana enfrentavam uma crise no casamento (que os levaria à separação em 1992, e ao divórcio em 1996) e a imprensa sensacionalista, costumeiramente, os rodeava como urubus. Em novembro de 1995, Diana concedeu uma entrevista polêmica ao programa Panorama, da renomada emissora BBC. Tal conversa é explorada em The Crown ao longo de três episódios, bem como a repercussão que se seguiu. A série também salienta uma controvérsia: na época, o repórter Martin Bashir manipulou documentos que levaram Diana a acreditar que estava sendo espionada. Dada a temporalidade narrativa, a série não mostra a real profundidade da bagunça – cujos desdobramentos só viriam a público 25 anos mais tarde, graças a uma investigação minuciosa.

A falta de ética era regra entre a imprensa inglesa nos anos 1990 — até conversas íntimas advindas de telefones grampeados eram publicadas sem que os envolvidos pudessem impedir. Uma forma de recuperar o controle da própria narrativa era ir à televisão e contar sua versão da história. Foi assim que, em 1994, Charles admitiu publicamente sua infidelidade à Diana. Um ano depois, foi a vez de Lady Di ser assistida por cerca de 200 milhões de pessoas ao redor do mundo. Foi nessa ocasião que proferiu a famosa frase “there were three of us in this marriage” (havia três pessoas no casamento, em referência à Camilla Parker Bowles, então amante de Charles). As declarações não pararam por aí: a princesa de Gales admitiu também ter tido um caso extraconjugal, e revelou ter sofrido de depressão pós-parto após o nascimento de William, o que levou membros da monarquia a rotulá-la como “mentalmente instável”. Como consequência, Diana começou a se autoflagelar e seus distúrbios alimentares pioraram. A entrevista foi escandalosa por escancarar o silenciamento de Diana dentro da realeza, impedida de discutir publicamente toda a turbulência que vivera.

Por vezes acusada de exagerar alguns fatos, The Crown foi bastante fiel na ficcionalização da entrevista – as maiores mudanças criativas estão ligadas à escolha de algumas palavras, e o roteiro foi preciso ao mostrar os mecanismos imorais utilizados pelo repórter Martin Bashir. O caso coloca em xeque o grau de consentimento da famosa entrevista. Afinal, não se sabe o quão longe Lady Di teria ido nas revelações caso não tivesse sido enganada nos bastidores. Ainda em 1995, algumas inconsistências na história de Bashir começaram a chamar a atenção: o designer gráfico que ajudara o repórter, por exemplo, buscou seus superiores na BBC ao compreender o real objetivo dos extratos bancários feitos por ele a pedido do jornalista — documentos falsos que foram usados para manipular Diana sobre uma conspiração ao seu redor para silenciá-la. Confrontado, o repórter admitiu a falsificação, mas afirmou nunca ter mostrado os papéis para Diana. Também possuía um bilhete escrito à mão por ela própria, que dizia: “Martin Bashir não me mostrou nenhum documento nem me deu nenhuma informação que eu não soubesse anteriormente. Concordei com a entrevista no Panorama sem nenhuma pressão indevida e não me arrependo”. Os executivos da emissora o inocentaram em 1996. 

TURBULÊNCIA - Charles e Diana (Dominic West e Elizabeth Debicki): o divórcio abalou a monarquia -
TURBULÊNCIA - Charles e Diana (Dominic West e Elizabeth Debicki): o divórcio abalou a monarquia – (Keith Bernstein/Netflix)
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A história ficou de lado até vir à tona em 2020, quando o jornal Sunday Times afirmou que Bashir havia falsificado extratos bancários e mostrado a Charles Spencer, irmão de Diana. A intenção era convencê-los de que haviam funcionários tentando vazar informações pessoais da família para a imprensa e que serviços de segurança britânicos, como MI5 e MI6, estavam vigiando a princesa. Isso levou Charles Spencer a apresentar o jornalista à irmã, logo convencida de que precisava dar sua versão dos fatos. Em 2021, o The Daily Mail acrescentou que também foi mostrado à Diana um recibo falso de aborto, sugerindo que Charles estava envolvido com uma das babás que trabalhava para a família.

Em 2020, um inquérito da BBC foi aberto e uma investigação formal foi comandada por Lord Dyson, ex-juiz da Suprema Corte do Reino Unido. Em um relatório de 127 páginas, Dyson prova que Bashir utilizou “métodos enganosos” para manipular a família Spencer a aceitar a entrevista, e que tentou acobertar o erro nos anos seguintes. Os documentos bancários falsos teriam alimentado a paranoia já existente em Diana de que estava sendo vigiada. Para Dyson, o tratamento dado pela BBC ao erro “ficou aquém dos altos padrões de integridade e transparência que são sua marca registrada”. Bashir deixou seu cargo na emissora pouco antes das conclusões do inquérito, publicadas pela BBC em 2021: ele foi considerado culpado de fraude e violação da conduta editorial. 

Tim Davie, diretor-geral da emissora, pediu desculpas: “Se tivéssemos feito nosso trabalho corretamente, a princesa Diana saberia a verdade durante sua vida. Nós a decepcionamos, à família real e ao nosso público. Decidi que a BBC nunca mais exibirá o programa; nem vamos licenciá-lo no todo ou em parte para outras emissoras.” A BBC também devolveu todos os prêmios ganhos pela entrevista, incluindo um Bafta, e doou 1,4 milhão de libras lucrados com ela para instituições de caridade que Diana costumava apoiar. Bashir, por sua vez, relatou “profundo arrependimento” em um comunicado, mas segue defendendo que os extratos bancários não influíram na decisão de Diana. Já o príncipe William disse que as mentiras, na época, aumentaram a sensação de “medo, paranoia e isolamento” da mãe, e que a entrevista nunca mais deveria ser veiculada. Para Harry, o “efeito cascata de uma cultura de exploração e práticas antiéticas” foi um motivador da morte prematura de Diana.

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