Relembre o que é verdade ou ficção no filme sobre a vida do papa Francisco
Lançado em 2019 e disponível na Netflix, 'Dois Papas' imagina conversa entre Francisco e Bento XVI e narra a história do argentino antes do papado

Morto nesta segunda-feira, 21, aos 88 anos, o papa Francisco — nascido Jorge Mario Bergoglio (1936–2025) — é um dos protagonistas de Dois Papas, filme do brasileiro Fernando Meirelles que imagina uma conversa entre Francisco (Jonathan Pryce) com o seu antecessor Bento XVI (1927-2022), vivido por Anthony Hopkins), que renunciou ao cargo em 2013. Lançado em 2019, o longa indicado ao Oscar e disponível na Netflix relembra várias fases da vida de Francisco antes do papado, unindo ficção e realidade para criar a narrativa. Confira, a seguir, o que é verdade e o que é ficção na obra:
A longa conversa entre Bento XVI e Francisco existiu?
Todos os diálogos entre os dois atores são do campo da ficção — amparados, claro, por uma extensa pesquisa sobre a personalidade dos protagonistas. Não há registros de que Francisco e Bento XVI tenham se encontrado na casa de veraneio de Bento XVI antes de sua renúncia. Também é extremamente improvável que Joseph Ratzinger tivesse Bergoglio como o seu sucessor favorito. O autor Gerard O’Connell, no livro A Eleição do Papa Francisco, aponta que o preferido de Bento XVI para sucedê-lo era o Arcebispo de Milão, Angelo Scola.
Francisco quase se aposentou antes de virar papa?
Depois do conclave de 2005, Jorge Bergoglio revela a um dos cardeais no filme que planeja se aposentar e viver como um simples pároco na Argentina. Por volta de 2012, quando tinha 75 anos, ele começa a pedir insistentemente a autorização do papa para sair de cena — pedidos qe são sumariamente ignorados por Bento XVI no longa.
Eduardo García, bispo auxiliar de Buenos Aires e amigo próximo de Bergoglio, em entrevista ao site Rome Reports, falou sobre os reais planos de aposentadoria de Francisco: “Uma vez aceita a sua renúncia e nomeado o seu sucessor, ele planejava viver em uma casa em Buenos Aires para sacerdotes idosos e enfermos. Ele também poderia ter seguido o caminho de conselheiro de espiritualidade, celebrando missa nas paróquias”. Bergoglio, no entanto, nunca foi a Roma cobrar que Bento aprovasse a sua aposentadoria — nem há registros de que ele tenha enviado diversas cartas ao seu antecessor.
Bergoglio engatou um noivado antes de virar padre?
No filme, Bergoglio anda pelas ruas quando vê um padre misterioso. Ele o segue até o interior de uma igreja e se confessa. A conversa faz com que o jovem argentino aceite sua vocação e decida seguir para o seminário. Em relato ao biógrafo Austen Ivereigh, Francisco revelou que passava diante da igreja de San José de Flores quando teve uma vontade súbita de se confessar. “Foi uma dessas sensações que você não entende. Vi um padre andando por perto, mas não o conhecia, não fazia parte da paróquia. Ele se sentou num dos confessionários e não sei bem o que aconteceu depois, parecia que alguém havia me puxado e me levado ao confessionário…. Naquele instante eu soube que queria ser padre”, reproduziu Ivereigh no livro A Grande Reforma: Francisco e a Jornada de um Papa Radical (em tradução livre).
No longa, Bergoglio encerra um noivado após a confissão. Na vida real, no entanto, nunca houve uma noiva. Amalia Damonte — retratada como noiva do jovem Bergoglio — existiu, mas o romance entre os dois aconteceu durante a pré-adolescência e logo teve o fim decretado pelos pais da menina. Em entrevista após o Conclave de 2013, Amalia contou que Bergoglio, então com 12 anos de idade, escreveu-lhe uma carta afirmando que se não se casasse com ela, viraria padre.
Qual foi o envolvimento do papa Francisco com a ditadura argentina?
Os produtores do filme recorreram a flashbacks para narrar a controversa relação entre o jovem Bergoglio e a violenta ditadura na Argentina, entre 1976 a 1983. Ao contrário de outros colegas jesuítas, que se posicionaram fortemente contra o regime, ele tinha uma postura pouco combativa e chegou a se aproximar das autoridades, ao mesmo tempo que ajudou muitas pessoas perseguidas a fugirem do país. Duas tramas se destacam no longa: sua amizade com a bioquímica e ex-chefe Esther Balestrino e a prisão dos cardeais Jalics e Orlando Yorio, torturados pelo regime.
Esther teve a filha sequestrada, o que fez dela uma das pioneiras no movimento Mães da Praça de Maio. Bergoglio tentou ajudar a amiga — ele de fato chegou a esconder livros que ela possuía considerados subversivos. Mas Esther teve um fim trágico: sua filha foi solta, mas ela foi capturada e assassinada pelos militares.
Já a história dos padres jesuítas é envolta em rumores. O principal é de que o futuro papa teria avisado aos colegas do perigo que corriam pelo trabalho social realizado nas periferias, mas ambos rejeitaram o alerta. Bergoglio, então, teria contado aos militares que eles não estavam mais sob a proteção da Igreja, o que causou a prisão. Tal versão foi refutada pelo pontífice no livro Conversas com Jorge Bergoglio (Verus). Ele afirmou ter alertado os colegas, mas disse que eles optaram por permanecer com o trabalho na favela e se desassociaram da Companhia de Jesus, mas não por ordem sua. O filme mescla as duas versões.
O papa Francisco foi exilado na juventude?
Assim como mostra o filme, Bergoglio foi relegado a um retiro forçado em Córdoba, interior da Argentina. Apesar de ter ajudado a esconder e a salvar a vida de várias pessoas durante o regime, o pontífice pagou o preço pela proximidade com os militares, que fez com que ele fosse visto como um traidor por uma parcela da população e do clero. O exílio em Córdoba foi seguido de outro bem mais distante, na Alemanha, para onde ele foi enviado pela Igreja para estudar. O período na Europa, no entanto, ficou de fora do filme.
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