Quão real é o Winston Churchill de ‘O Destino de uma Nação’?
Confira o que é verdade e o que é ficção no filme que pode dar um Oscar a Gary Oldman
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill foi personagem de diversos filmes e séries para televisão. Mas em sua pesquisa para escrever O Destino de uma Nação, o roteirista Anthony McCarten descobriu um homem muito diferente do que tinha visto antes. “Costumam dizer que o Churchill sempre sabia o que estava fazendo e nunca mudava de opinião. Adorei descobrir que ele era bem mais humano, que tinha incertezas e que mudou de ideia, sim”, disse em entrevista a VEJA, em Londres. O filme dirigido por Joe Wright e protagonizado por Gary Oldman, que acabou de ganhar o Globo de Ouro por sua interpretação, tem um foco bem preciso: quatro semanas em maio de 1940, quando os nazistas avançaram na Europa continental e encurralaram as tropas francesas e britânicas em Dunquerque. Nesse período, Churchill escreveu três dos maiores discursos da história. McCarten baseou seu roteiro nos documentos dos Arquivos Nacionais, que contém as transcrições das conversas nos War Rooms, o centro operacional da guerra instalado embaixo do Parlamento. Nem tudo, porém, estava lá. “Não desfigurei ninguém, nem distorci nada. Mas há buracos que precisam ser preenchidos. Esses precisam ser responsavelmente preenchidos. Tudo que escrevi foi baseado em muita pesquisa sobre o tipo de coisa que aquele personagem faria.”
Álcool em vez de leite
O café da manhã de Winston Churchill era servido na cama e sempre consistia de um copo de uísque com soda. “Durante a Segunda Guerra, ele adicionou um copo de vinho branco, porque o leite era difícil de comprar, só havia leite condensado. E ele odiava leite condensado”, disse McCarten. “Ele não aguentava mais tomar chá, então substituiu por vinho branco. Começava o dia assim.”
O terror das secretárias
No começo do filme, Elizabeth Layton (Lily James), a nova secretária, chega para trabalhar com Churchill. Ela recebe um monte de instruções, inclusive datilografar com espaço duplo. Mas no primeiro ditado, ela comete o erro de datilografar com espaço único, provocando a ira de Churchill. A bronca não aconteceu daquele modo, mas não estava fora do possível. “Ele era exigente. O espaço duplo era para que pudesse adicionar observações e fazer mudanças”, disse McCarten. “Todo o mundo que trabalhou para Churchill disse que ele era extremamente exigente e difícil de trabalhar, mas que dariam sua vida por ele. Então tinha de mostrar um relacionamento duro, mas inspirador.”
Maquinações do poder
Depois de Neville Chamberlain (Ronald Pickup) ser obrigado a deixar o cargo de primeiro-ministro, os parlamentares acabam escolhendo Winston Churchill porque Halifax (Stephen Dillane) diz que não é seu momento. Halifax era amigo pessoal do rei, um homem da igreja e querido por seus contemporâneos. Churchill foi selecionado durante um jantar sem sua presença porque os parlamentares achavam que era o único nome que seria aceito pelo partido de oposição, o Trabalhista. Isso tudo aconteceu mesmo. “Halifax tinha o desejo, mas não tinha certeza sobre ser primeiro-ministro naquele momento, e com Winston pairando. Havia um pensamento de que Churchill seria primeiro-ministro por enquanto, mas ele cometeria uns erros e se livrariam dele. Halifax queria ser o líder da negociação de um tratado de paz com os nazistas.” Como membro do comitê de guerra, Halifax continuou pressionando Churchill para aceitar negociar com Hitler.
A mudança do rei George
Interpretado por Ben Mendelsohn, o Rei George 6º demonstra suas dúvidas quando o Parlamento lhe informa que escolheu Winston Churchill para ser primeiro-ministro. “Todas as reuniões entre primeiros-ministros e reis ou rainhas são completamente privadas. Não há registro do que foi dito. Mas sabemos que o rei era anti-Churchill no começo de maio de 1940”, disse McCarten. “Em seus diários, seis semanas mais tarde, o rei tinha virado fã de Churchill. Então num espaço muito curto de tempo, o que quer que tenha acontecido naquelas reuniões foi do conflito para a admiração. Tinha de contar essa história em poucas cenas. Tentei fazer meu melhor para colocar as palavras na boca desses dois homens.” No filme, o rei chega a ir à casa de Churchill tarde da noite, o que não aconteceu. “Queria dramatizar a intimidade dos dois. A relação deles foi descrita como a mais próxima entre um primeiro-ministro e um rei.”
Máscaras de gás
Logo depois de sua escolha para ser primeiro-ministro, Churchill recebe os filhos para um brinde e todos posam juntos, usando máscaras de gás. A foto nunca aconteceu. “Mas quis mostrar que todos realmente receberam suas máscaras de gás”, afirmou o roteirista. “Quis deixar claro o terror e o risco de uma invasão naqueles dias. A Grã-Bretanha e Londres estavam se preparando para uma invasão das tropas nazistas a qualquer momento. Queria mostrar como até mesmo em casa as pessoas tinham máscaras de gás.”
Clemmie
Clementine (Kristin Scott Thomas), mais conhecida como Clemmie, era a mulher de Winston Churchill. Era ela que lidava com as contas – em dado momento, apesar de aristocratas, eles tiveram problemas financeiros. E também chamava a atenção de Churchill, como aparece no filme, quando ela dá uma bronca nele depois que o político maltrata a secretária. “O diálogo veio de uma de suas cartas para ele, em que Clemmie se preocupava porque nos primeiros dias como primeiro-ministro houve reclamações de que estava sendo rude com os funcionários. A pressão era tão grande que ele estava explodindo com facilidade. Clemmie escreveu: ‘Você está se arriscando a perder a lealdade das pessoas de que necessita’.”
V da vitória
Numa das cenas, a secretária chama Churchill num canto dos War Rooms para dizer que o gesto da vitória que ele está fazendo na verdade é rude (significa enfiar no…), porque ele está fazendo com a palma da mão virada para dentro. Não se sabe se foi a secretária quem o alertou. “Li na minha pesquisa que ele roubou o gesto dos franceses. Os franceses já usavam o ‘V pour victoire’. Ele roubou. E notei que nas fotos ele começou fazendo invertido, com a palma da mão para dentro, e depois virou para fora. Pensei: quem contou para ele? Porque quem é da classe trabalhadora sabe que o gesto com a palma da mão para dentro era ofensivo. Então precisava de alguém que dissesse para ele. Achei que era uma boa ideia se fosse a secretária. Mas vem tudo da verdade.”
Homem do povo que não era do povo
Num momento do filme, Churchill diz que nunca andou de ônibus. Ele não falava essas coisas, mas tinha consciência de seu privilégio – era um aristocrata. “Queria que o espectador soubesse que esse chamado homem do povo não era um homem do povo”, contou o roteirista. “Tinha uma frase que cortamos: ‘Nunca tive nem de vestir minhas calças sozinho’. Exceto quando ele foi prisioneiro de guerra, porque teve sempre um valet. Ele não era do povo, mas o povo o adorava. Era uma questão interessante: Por que o público o adorava tanto quando suas vidas eram tão diferentes?”
Telefonema para Roosevelt
Num momento de desespero, com as tropas encurraladas em Dunquerque, Churchill liga para o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, para pedir – implorar, na verdade – por ajuda. O telefonema nunca aconteceu, porque os telefones foram instalados nos War Rooms apenas seis meses mais tarde. Mas Churchill realmente trocou cartas com Roosevelt, pedindo para ele liberar os equipamentos de guerra que a Grã-Bretanha tinha encomendado. Sem querer se envolver na Segunda Guerra, o presidente americano disse que não podia fazer isso, mas podia entregar na fronteira se Churchill mandasse pessoas a cavalo pelo Canadá para buscar. “Tudo o que foi dito naquela cena estava na carta. Os fatos são mais loucos que a verdade”, disse McCarten.
Com o povo, no metrô
No filme, quando está na dúvida sobre aceitar a proposta de Halifax e fazer um tratado de paz com os nazistas, Winston Churchill salta do carro e aparece no metrô de Londres, para surpresa dos usuários. Logo ele começa a conversar com as pessoas, perguntando como estão e se acham que a Grã-Bretanha deveria entrar em acordo com Hitler. Essa cena não aconteceu. “Mas tem um tom de verdade”, disse McCarten. “Churchill, neste período da história, percebeu que a opinião do povo era lutar, não fazer um tratado de paz com Hitler. Eu precisava dramatizar isso de alguma maneira. Como? Um telefonema? Pedaço de papel? Carta? Secretária diz: Senhor, a opinião do público é que devemos lutar? Ou ele vai e se encontra com o povo?” O roteirista descobriu que, sim, era da natureza do primeiro-ministro falar com os governados. “Durante a guerra, ele desaparecia às vezes e aparecia no meio do povo, apertando mãos e perguntando como eles estavam, como estavam se sentindo. Então era consistente com o personagem.”