Pensando bem, é até bom que deputados e senadores estejam propondo um assalto ao trem pagador das despesas públicas ao incluir no Orçamento da União de 2020 a destinação de 3,8 bilhões de reais (ou 2,5 bilhões, tanto faz, o acinte é o mesmo) para o fundo eleitoral, que somados aos mais de 900 milhões do partidário dariam aos políticos quase 5 bilhões de reais para o financiamento da próxima campanha eleitoral, de prefeitos e vereadores.
E por que é bom? Porque a explicitação de um abuso dessa natureza por parte das autoridades legislativas dá margem a que nos perguntemos se, afinal de contas, temos de pagar pelo que chamam de “financiamento da democracia”, mas que na realidade significa financiar as burocracias partidárias.
Talvez seja uma boa hora esta agora para discutir se é o caso de o público pagante de impostos continuar dando boa vida a entidades de direito privado que se valem do dinheiro público sem entregar mercadoria de qualidade. Quando suas excelências radicalizam de lá, abrem espaço para que a sociedade radicalize de cá e, assim, se resolvam questões pendentes no cabide da inércia.
Temas de grande interesse geral, como as reformas pós-Previdência e a autorização para a prisão de condenados em segunda instância, vão ficar para o ano que vem, mas o Orçamento é o assunto desta última semana antes do recesso do Parlamento, que votará, entre outras despesas, proposta aprovada pela Comissão Mista que quase triplica o valor do fundo em relação ao do ano passado. Cogitam recuar para uma majoração de apenas 800 milhões de reais, vejam que bela concessão.
“Viabilizar a realização de eleições é coisa bem diferente de sustentar partidos e respectivos candidatos”
Note-se que em 2018 as eleições foram gerais, para presidente, governadores, senadores e deputados. As do ano que vem serão municipais; portanto, mais baratas. Não convence o argumento de que agora o pleito ocorrerá em mais de 5 500 municípios, e daí a necessidade de mais recursos, pois as do ano passado não nos parece que tenham acontecido em Marte, e sim na mesma quantidade de cidades.
Também soa inconvincente a alegação de que é preciso “financiar a democracia”. Sem o dinheiro de pessoas jurídicas, proibidas de doar, por essa visão a saída é pôr a mão no bolso dos brasileiros. Ora, viabilizar financeiramente a realização de eleições é uma coisa bem diferente de sustentar partidos e respectivos candidatos. No primeiro caso, cuida-se da montagem da estrutura de votação, apuração e fiscalização, obviamente tarefa do poder público. No segundo, francamente, o justo seria que cada legenda ou pessoa que se dispusesse a pleitear representação popular cuidasse de si.
A proliferação de partidos no Brasil decorre exatamente dessa confortável tutela, algo comparada à dos sindicatos nos tempos do imposto sindical, que os faz se acomodar no lugar de suar a camisa, de ir à luta em busca do próprio sustento à maneira do cidadão que trabalha para custear as despesas da casa, do empreendedor que labuta para fazer prosperar o negócio.
O raciocínio soa esquisito, radical, excessivamente idealista? Pensando bem, nem tanto, porque é a tal história bem antiga: só se estabelece quem detém competência para oferecer eficiência.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665