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Dias Lopes

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Um prato de sorte

Comer gnocchi no dia 29 de cada mês pode realmente nos trazer fortuna?

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h21 - Publicado em 29 ago 2018, 07h41

Muitas pessoas saboreiam um prato de gnocchi no dia 29 de cada mês, seja no restaurante ou em casa. Fazem isso para ter sorte e principalmente dinheiro nas quatro semanas seguintes. Algumas comem em pé as primeiras sete pelotinhas de massa, fazendo igual número de pedidos ao mastigarem sete vezes cada uma.

Depois, sentam para comer em paz. Outras pessoas limitam a refeição às sete pelotinhas. Embaixo do prato, colocam necessariamente uma nota de algum valor, podendo ser real, dólar ou euro. Será guardada no bolso como amuleto, até o próximo dia 29, ou dada como esmola na rua ao primeiro mendigo que passar. Referimo-nos ao ritual gnocchi da sorte ou fortuna.

Uma das hipóteses para esse ritual é ser originário da Idade Antiga, baseado em episódio da vida de São Pantaleão de Nicomédia, santo venerado pelos católicos, ortodoxos e anglicanos. Ele foi elevado à glória dos altares no século IV, após ser martirizado aos 30 anos de idade pelos romanos — não conseguiram fazê-lo abjurar a sua fé.

No dia 29, de dezembro, de um ano situado entre 300 e 305, o futuro santo perambulava pelo interior da Itália, disfarçado de andarilho. Queria exercer incógnito e gratuitamente, entre os pobres, a profissão de médico. Faminto, bateu na porta de uma casa e pediu algo para comer.

A família numerosa tinha pouco para dividir com o  desconhecido. Mesmo assim, acolheu São Pantaleão à mesa e serviu a ele o que dispunha. Coube a cada comensal sete pelotinhas de gnocchi. O forasteiro se alimentou, agradeceu e foi embora. Ao recolherem os pratos, os donos da casa descobriram que embaixo deles havia bom dinheiro. Daí a tradição da nota de qualquer valor no cerimonial do gnocchi da sorte.

A simpatia chegou ao Brasil na segunda metade do século passado, através de São Paulo, e caiu no gosto do povo, espalhando-se na cidade e no país. Laura Giarelli, a quem os amigos chamavam de Lalla, fundadora do desaparecido restaurante paulistano La Bettola, na Rua Amauri, afirmava ser a sua introdutora no país.

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Dizia ter conhecido o gnocchi da sorte em viagem à Argentina e iniciado a preparar o prato em um dia 29 do ano de 1979. Entretanto, quem mais se notabilizou pelo gnocchi da sorte entre nós foi Mary Nigri, dona do Quattrino, também de São Paulo. Ela o lançou no seu restaurante da rua Oscar Freire, aberto em 1989.

Até hoje, artistas da televisão e teatro, intelectuais e uma clientela fiel aparecem ali para saboreá-lo no dia 29, nas opções de gnocchi de batata, mandioquinha e rúcula. “Se eu não me considerarem a pioneira, pelo menos fui a primeira a divulgá-lo”, diz Mary Nigri.

Ela conta uma história diferente. Teria conhecido o gnocchi da sorte na juventude, em São Paulo. A filha de sua fisioterapeuta era casada com um italiano adepto da simpatia. Quando abriu o Quattrino, Mary teve certeza de que o gnocchi da sorte faria sucesso — e acertou no alvo.

Segundo a Grande Enciclopedia Illustrata della Gatronomia (Selezione Reader’s Digest, Milão, 1999), gnocchi (o singular é gnocco, porém os italianos usam o plural quando se referem ao prato) teria sido a primeira massa feita em casa, a partir da intuição de misturar farinha e água e colocá-las para cozinhar em água quente. Como alimento, as pelotinhas ovaladas ou cilíndricas são veteraníssimas. Podem ter sido preparadas nas Grécia e Roma antigas.

Na Idade Média, já desfrutavam de fama na Itália com o nome atual. Gabriel Bolaffi, no livro A Saga da Comida (Editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2000), explica o significado de gnocco: “É algo como pelota, isto é, uma pelotinha de farinha amassada com água”. Em português, grafa-se nhoque. Fica feio e parece tupi-guarani, mas paciência…

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Os primeiros gnocchi levavam apenas um tipo de farinha e água. Mais tarde começaram a ser feitos os de farinha de trigo, semolina, arroz e, inclusive, de miolo de pão. Depois, apareceram os de espinafre, queijo, carne ou peixe, castanha, chocolate, ameixa etc. Não há limites para a imaginação culinária.

Em meados do século XVI, surgiram os gnocchi de polenta. Anos depois, os de batata-inglesa ou comum, ingrediente descoberto na América. A receita com o produto do Novo Mundo se espalhou no Vêneto e Piemonte; a seguir, na Sicília e sul da Itália.

Atualmente, o gnocchi de batata é o mais difundido naquele país. Seus fãs só divergem quanto à cor da batata, se deve ser branca ou amarelada, como a de Avezzano, na região dos Abruzos. No Brasil, também desfrutam de prestígio os de mandioca e mandioquinha, invenções nacionais.

Entretanto, cada região italiana prepara as pelotinhas de massa com ingredientes e formatos do seu gosto. Em quase toda a Itália, servem-nas como primeiro prato ou prato único. Nos países da Europa Central, o knödel, uma bola de massa da família do gnocchi, feita com pão, farinha e especiarias, vai à mesa também como acompanhamento.

Quanto aos molhos, igualmente variam muito. São apetitosos os de tomate, carne, ragu, alla bolognese e seguem deliciosos quando in bianco, como dizem os italianos, ou seja, à base de manteiga derretida e queijo, com a complementação de ingredientes aromáticos como a sálvia ou especiarias do tipo da noz-moscada e da canela.

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Em Roma, gnochi era comida obrigatória da quinta-feira. Compunha uma sequência semanal de pratos. Dizia o provérbio: “Giovedì (quinta-feira) gnocchi, Venerdì (sexta-feira) pesce (peixe), Sabato (sábado) trippa (dobradinha)”. Antigas osterie e trattorie seguem respeitando a tradição.

Foi um genial chef francês que colocou o gnocchi no cardápio dos grandes restaurantes internacionais. Em seu antológico Le Guide Culinaire – Memórie de Cuisine Pratique (Flammarion, Paris, 1993), Auguste Escoffier (1846-1935) ensina a fazer gnocchi au gratin, à la romaine e aux pommes de terre. O maior chef da virada do século XIX para XX, escreve gnoki. Com essa grafia, a receita parece eslava. Tanto faz. Afinal, há muito o gnocchi deixou de ser privilégio da cozinha italiana.

Resta saber se realmente traz sorte ou fortuna saboreá-lo no dia 29. Com a licença espiritual de São Pantaleão, podemos dizer que a numerologia — a interpretação do significado mágico dos números e da sua influência no caráter e destino das pessoas — julga isso possível. É que 29 deriva da combinação do 2 com o 9.

O 2 representa a dualidade, a receptividade, a sensibilidade, a feminilidade, a humildade, a dependência, a ternura, a lua, a água e a prata; o 9 resulta da multiplicação de 3 x 3 e simboliza a evolução, o dinamismo, a criatividade, o impulso, a simpatia e o fogo. Por último, 2 mais 9 é igual a 11, número complexo que representa a nova era. Agora, só falta descobrir alguém que tenha ficado rico comendo gnocchi no dia 29.

RECEITA

GNOCCHI AL BURRO E SALVIA

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RENDE 6 PORÇÕES

 

INGREDIENTES

GNOCCHI

.1kg de batatas holandesas (não devem ser usadas batatas novas, porque soltam muita água)

.1 ovo extra grande

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.200g de farinha de trigo

.Farinha de trigo para polvilhar a mesa

.Queijo parmigiano ralado, a gosto, para polvilhar os gnocchi

.Sal a gosto

 

MOLHO

.115g de manteiga

.16 a 20 folhas de sálvia, aproximadamente

 

PREPARO

GNOCCHI

1. Cozinhe as batatas em água fervente, com uma pitada de sal.

2. Descasque-as e passe-as no espremedor, obtendo um purê.

3. Espere esse purê esfriar e junte-lhe o ovo inteiro. Misture bem.

4. Incorpore a farinha de trigo aos poucos e vá amassando, até obter um composto homogêneo.

5. Sobre uma mesa polvilhada com farinha de trigo, disponha a massa, divida-a em porções e, com essas porções, faça rolinhos de aproximadamente três centímetros de espessura. Finalize, cortando os rolinhos em cubos de dois a três centímetros.

6. Cozinhe os gnocchi em panela grande, com bastante água fervente, ligeiramente salgada e vá retirando-os com uma escumadeira, à medida que forem subindo à superfície.

7. Coloque-os em uma tigela previamente aquecida, ou em pratos fundos individuais, também aquecidos.

 

MOLHO

8. Em uma frigideira, aqueça a manteiga, dourando-a levemente, em fogo baixo. Introduza as folhas de sálvia e deixe por alguns instantes no fogo, para  os aromas se expandirem.

 

FINALIZAÇÃO

9. Derrame a manteiga com sálvia sobre os gnocchi, polvilhe com o queijo ralado e sirva imediatamente.

Receita que era preparada por Laura (Lalla) Giarelli, proprietária do restaurante La Betola, em São Paulo/SP, que se dizia introdutora do gnocchi da sorte no Brasil.  

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