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Cristovam Buarque

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Por que falhamos

A República não fez da educação uma questão nacional

Por Cristovam Buarque Atualizado em 7 jun 2024, 12h50 - Publicado em 7 jun 2024, 06h00

Quase século e meio depois da Proclamação da República, mais de 11 milhões de brasileiros adultos ainda não reconhecem a bandeira do Brasil, por não saberem ler o lema escrito nela. Metade das crianças ainda não está alfabetizada aos 8 anos de idade, apenas uma a cada cinco delas concluirá a educação de base preparada para participar do mundo contemporâneo. A República falhou porque não fez da educação uma questão nacional com estratégia de longo prazo; cada governo, mesmo quando sucede a seu próprio partido, joga nos anteriores a responsabilidade das deficiências herdadas. A República fracassou por nunca valorizar os professores como os construtores do progresso do país.

A educação foi sequestrada pelo caráter nacional que não vê o Brasil com vocação para educação e aceita como normal a desigualdade entre “escolas senzala” para pobres e “escolas casa-grande” para ricos. Até hoje, nenhum governo se propôs a criar um sistema nacional público de qualidade. Falhamos porque confundimos democracia com eleição de diretores de escola, não com o direito à educação de qualidade. A ditadura sequestrou a educação nas mãos dos comandantes militares e a democracia a sequestrou nas mãos de civis escolhidos por eleitores sem a ambição de o Brasil ter sua educação entre as melhores do mundo.

“Mais de 11 milhões de brasileiros adultos não reconhecem a bandeira, por não saberem ler o lema”

Falhamos porque nossos professores são escolhidos e remunerados nos limites dos recursos municipais, trabalham em prédios com deficiências, enquanto garantimos excelência federal para as atividades de interesse nacional. A educação foi sequestrada por pais sem preparo para complementar a escola dos filhos, e por pais educados que se importam apenas com a formação de seus próprios filhos. O sequestro começou quando aceitamos a imagem de que em nossa terra “em se plantando tudo nela dá”, por isso não precisa de ciência, tecnologia, estudo; e para plantar e colher trouxemos mão de obra da África, escravizada. O Ministério da Educação foi sequestrado pelo ensino superior para cuidar dos poucos que entram na universidade, não para assegurar que todos terminem o ensino médio com máxima qualidade, adquirindo os conhecimentos de que precisam para facilitar a busca de sua felicidade e obtendo as ferramentas necessárias para construir um país democrático, justo, eficiente, republicano, sustentável.

Nossa educação foi sequestrada pelos sindicatos de professores, quando fazem longas paralisações por reivindicações corporativas. Também por educadores que lutam pela adoção de suas teorias pedagógicas, sem preocupação real com a implementação de um sistema nacional capaz de assegurar os melhores métodos de educação libertária e eficiente para todas as escolas do país.

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Falhamos, enfim, porque não percebemos que todos os nossos problemas decorrem sobretudo da baixa qualidade e da desigualdade como nossa educação é oferecida, desperdiçando o potencial intelectual de até 80% dos cérebros de cada geração de brasileiros. Sequestramos a educação por uma mentalidade equivocada, que não considera cada cérebro como potencial indutor do progresso, nem percebe o desperdício econômico, social, cultural e político de cada criança deixada para trás no processo de sua formação. Falhamos.

Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896

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