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Cristovam Buarque

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A permanência da pobreza

O ciclo da escassez só será rompido com uma mudança de visão

Por Cristovam Buarque Atualizado em 25 jul 2025, 14h43 - Publicado em 25 jul 2025, 06h00

Um dos maiores erros do século XX, além da criação da bomba atômica, foi vincular o tema da pobreza à economia, como se a tragédia fosse apenas problema de renda, e não questão de fundo moral e de gestão pública. A escravidão só foi derrotada quando passou a provocar horror e indignação entre os não escravizados. Por ser apenas falta de renda, a permanência da pobreza não causa indignação moral, apenas incômodo passageiro, o que faz aceitável a existência de pessoas famintas, crianças sem escolas de qualidade, famílias morando na rua ou em casas sem saneamento. Perde-se naturalmente impulso político para a superação do que é visto como crise, e não como tragédia.

A abolição da escravidão só avançou quando houve comoção moral, como ocorreu na Inglaterra, graças sobretudo à luta de William Wilberforce. Em Flores, Votos e Balas, Angela Alonso mostra que no Brasil isso aconteceu após 1880, quando foi travada uma luta moral que converteu a consciência escravocrata nacional em abolicionista. Mas não tivemos líderes que indignassem a sociedade diante da constância da pobreza. É como se, na época da escravidão, os defensores da liberdade restringissem sua bandeira ao aumento da renda dos escravizados, para emancipar alguns, sem abolir de vez a escravatura; ou se Nelson Mandela se contentasse com programas de cotas e bolsas universitárias para fazer os negros sul-africanos serem aceitos como brancos, sem extirpar o apartheid.

“Não há impulso político para a superação de algo que é visto como crise, e não como tragédia”

Hoje, é preciso transformar a convivência com a pobreza em uma nova consciência: a da segunda abolição — justamente a da pobreza. Para tanto, devemos superar a visão economista, que é a da pobreza entendida como mera escassez de renda, e não como a privação do acesso à cesta de bens e serviços essenciais à vida. Após décadas de crescimento econômico, a sociedade não sentiu indignação moral diante da continuidade do quadro de pobreza. Tampouco compreendeu que sua superação não virá automaticamente com o crescimento do PIB e a expansão da renda social, como se isso garantisse a cada brasileiro pobre o acesso pleno àquilo que necessita — saúde, educação, segurança.

Se houvesse verdadeira indignação, e ela se traduzisse em mobilização política, a pobreza não resistiria a poucos anos de uma estratégia social focada em erradicá-la. Para isso, é preciso transformar a tolerância em indignação e formar uma consciência pela segunda abolição — a da pobreza. A simples distribuição da carga fiscal na arrecadação é necessária do ponto de vista moral, mas ela não erradicará a pobreza se os recursos arrecadados não forem usados para garantir a oferta pública dos bens e serviços cuja ausência define a pobreza. Ela continuará existindo se os recursos da justiça tributária forem dragados por corrupção, mordomias, salários milionários ou investimentos que beneficiam apenas o “andar de cima”.

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A justiça fiscal só será abolicionista se for utilizada para financiar o acesso de todos aos bens e serviços públicos essenciais, especialmente para implantar um sistema nacional público de educação com qualidade e equidade, capaz de elevar a produtividade da economia, aumentar a renda nacional, promover sua distribuição e induzir participação política na direção de romper o círculo vicioso que faz a permanência da pobreza.

Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954

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