Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

Conta-Gotas

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pequenos diálogos para desbravar grandes obras & ideias − e cuidar melhor de si e do mundo

A psiquiatra que toca nas feridas e nas lacunas da psiquiatria

Juliana Belo Diniz questiona, em novo livro, ideias e práticas que se tornaram senso comum na abordagem de transtornos como ansiedade, depressão e TDAH

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 abr 2025, 19h40 - Publicado em 10 abr 2025, 17h00

Vivemos um boom de transtornos mentais. Medicamentos são a solução para ansiedade e depressão. Há uma epidemia de TDAH em curso. Doenças psiquiátricas são doenças dos neurônios. Para cada uma dessas questões, a psiquiatra Juliana Belo Diniz tem uma crítica ponderada – e baseada em evidências científicas.

E é nas lacunas de conhecimento, nos modismos, nas feridas e nas distorções da prática clínica que a médica e psicoterapeuta toca em seu primeiro livro, O Que Os Psiquiatras Não Te Contam, recém-publicado pela Editora Fósforo. 

Doutora em psiquiatria pela USP, a especialista coloca novas ideias e pontos de vista no debate sobre os problemas de saúde mental, destacando o impacto dos aspectos sociais, comportamentais e ambientais na eclosão dessas condições e discutindo até que ponto as medicações e a terapia pela fala podem resolvê-las.

Com a palavra, Juliana Belo Diniz.

O que os psiquiatras não te contam

O QUE OS PSIQUIATRAS NÃO TE CONTAM - Ed. Fósforo: mudança de paradigma

Vivemos um autêntico aumento no diagnóstico de transtornos psiquiátricos?

A psiquiatria cria o vocabulário que pode ser usado para descrever o sofrimento psíquico, mas os nossos diagnósticos adquirem vida própria e podem ser usados de forma que não mais correspondem a como eles foram originalmente criados. Um exemplo mais antiquado é a compreensão em torno do que entendemos como sintomas de ansiedade. A timidez, por exemplo, não era considerada um sintoma, mas sim uma característica (como ser loiro ou moreno), até descobrirmos remédios capazes de aliviar a ansiedade fóbica e ajudar alguns tímidos a se sentirem mais seguros. Timidez virou fobia social e depois ansiedade social.

Continua após a publicidade

Esse fenômeno também afetou outras condições, como autismo e TDAH?

O diagnóstico de autismo foi apropriado por movimentos da sociedade civil que passaram a demandar uma revisão mais ampla do significado desse termo. Na esteira desse movimento, alguns psiquiatras e neurocientistas modificaram o discurso em torno do diagnóstico, dando razão aos movimentos sociais e aumentando a frequência com que esses diagnósticos são feitos mesmo que a frequência de traços autistas não tenha efetivamente aumentado na população.

O diagnóstico de déficit de atenção, que antes era entendido como algo que melhorava com o amadurecimento, passou a ser usado para diagnosticar adultos claramente sobrecarregados que se queixam de não dar conta de quantidades exorbitantes de tarefas. Nesse caso, tanto psiquiatras, quanto a indústria farmacêutica e a sociedade civil, abraçaram a causa sem pestanejar, acreditando ter as respostas para demandas desumanas de produtividade que caracterizam os regimes de trabalho atuais. 

+ OUÇA E VEJA: Podcast de VEJA SAÚDE sobre o livro da psiquiatra

Por que você questiona que as doenças psiquiátricas não são apenas doenças do cérebro?

A partir da segunda metade do século XX, quando encontramos remédios com efeitos capazes de controlar sintomas como delírios e alucinações e melhorar quadros depressivos e ansiosos, parecia certo que estaríamos próximos de desvendar a origem cerebral dos transtornos psiquiátricos. Afinal, se existiam substâncias químicas que modificavam o funcionamento cerebral e que tratavam sintomas de doenças mentais, como seria possível que a origem desses problemas não estivesse no cérebro? A ideia de que os transtornos psiquiátricos são eminentemente doenças do cérebro é o que eu chamo de “mitologia cerebral”, baseada mais no desejo de encontrar no cérebro as causas das doenças mentais do que no resultado de estudos científicos.

A ideia de ir além da fisiologia não vem de hoje, certo?

Esse movimento sempre andou em paralelo com as buscas por causas biológicas capazes de explicar o sofrimento psíquico. Inclusive, muitos pensadores, como o próprio Sigmund Freud, fundador da psicanálise, e Karl Jaspers, psiquiatra e filósofo da fenomenologia, defenderam que as causas das doenças mentais eram tanto biológicas quanto de outras naturezas. 

Continua após a publicidade

Retomar essa discussão sobre a causalidade das doenças mentais é uma forma de reabrir o espaço no discurso psiquiátrico para falar de sintomas depressivos, ansiosos ou de outra ordem, sem precisar, recorrer, necessariamente, a retórica médica e biológica. Isso não representa nenhuma ameaça para a prática psiquiátrica. Mesmo que os sintomas dos transtornos psiquiátricos não sejam o resultado de um distúrbio cerebral eles merecem respeito e cuidado. Portanto, defendo que não é obrigatório aderir à mitologia cerebral para falar de doenças mentais. 

Como essa visão impacta na prática da psiquiatria e no atendimento de pessoas em sofrimento?

Do ponto de vista do atendimento clínico, a psiquiatria é uma especialidade médica que tem autorização para prescrever remédios e diversos outros tipos de tratamentos biológicos como as muitas formas de estimulação cerebral, e até neurocirurgia. Além das intervenções biológicas, muitos psiquiatras são também psicoterapeutas ou aplicam dentro da consulta médica conhecimentos que têm origem em alguma das diversas formas de psicoterapia. Já psicologia é uma disciplina bastante ampla que inclui desde áreas sem nenhuma sobreposição com a psiquiatria, como a psicologia organizacional ou escolar, até diversas formas de psicoterapia que também fazem parte da prática psiquiátrica. Em geral, a maior parte dos quadros leves e moderados podem ser tratados só com orientação ou psicoterapia, enquanto casos mais graves e crônicos tendem a requerer alguma intervenção com remédios ou outro tratamento biológico. 

A psiquiatria se “medicalizou” demais?

Remédios psiquiátricos são essenciais para aliviar certos sofrimentos psíquicos e, hoje, é inadmissível deixar alguém excluído do convívio social sem acesso aos recursos que podem, dentro de certas limitações, trazer algum alívio. Ao mesmo tempo, os remédios não fazem todo o trabalho sozinhos e tanto psiquiatras quanto pacientes precisam estar implicados no processo de melhora. Os remédios estão incluídos dentro de um planejamento terapêutico muito mais amplo.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.