Recentemente meu marido e eu fomos assistir à ópera O Amor das Três Laranjas no Theatro Municipal de São Paulo. O enredo retrata as aventuras de um príncipe tomado pela melancolia a quem um especialista em entretenimento recebe a missão de curar pelo riso. Ele é ajudado por um mago que acaba distraído por uma bruxa, ligada a um grupo que quer ganhar influência na corte. A bruxa impõe ao príncipe a conquista do amor de três laranjas, cada uma delas prometendo virar uma princesa. Duas delas morrem e, enquanto o príncipe se prepara para noivar com a terceira, essa é transformada em um rato. Dizem que o significado de uma obra não é gerado somente pelo seu autor. Cada vez que ela é experimentada pelo público, está sujeita a ganhar novas interpretações. Embora a obra de Prokofiev tenha mais de 100 anos, foi inevitável identificar alguma atualidade na trama. Involuntariamente ou não, a ópera me remeteu a algumas cenas assistidas nesses últimos meses, nas quais magos do marketing e especialistas em conteúdo “nonsense” de redes sociais protagonizaram uma mistura de fábulas, sátiras e comédias do absurdo. Tudo para fazer valer a promessa de que, dentro de uma “laranja”, poderia haver uma noiva digna de nos enamorarmos.
Não é o caso de entrar em detalhes do enredo, até porque nenhuma sinopse captaria o surreal da peça. Basta dizer que nada sai de acordo com a expectativa do soberano. Tal como nada sai de acordo com a expectativa do público que assiste àqueles embates, sem imaginar o que acontecerá nos próximos atos. Mesmo assim, sempre valerá a pena nos engajarmos com o que acontece no palco.
“Não há divergência que justifique a desunião de tantas famílias, o afastamento mútuo de amigos queridos”
Domingo, como todos sabem, é dia de espetáculo para uma nação livre como a nossa. E a essa altura não vale a pena revisitarmos as passagens mais polêmicas dos últimos episódios. Nossa convicção provavelmente já foi feita. É hora de olharmos para a frente, e saudarmos nossa jovem e vibrante democracia. Quem me acompanha neste espaço sabe que procuro não abordar política — deixo a tarefa para os analistas que, com mais propriedade, escrevem nestas páginas. Mas hoje, quando o tema transborda dos partidos para a sociedade, quando avança para além da alçada dos políticos e toma conta dos cidadãos, é inevitável abordá-lo de alguma maneira. Finalmente, estamos chegando ao desfecho de uma ópera que deixou todo o país com a emoção à flor da pele. Minha expectativa é que, ao cair o pano, possamos seguir em frente enquanto nação. Não há divergência que justifique a desunião de tantas famílias, o afastamento mútuo de amigos queridos e a hostilidade crescente entre vizinhos até então afáveis. Chega de evitar conversas à mesa dos restaurantes sobre nossas receitas preferidas para o Brasil dar certo nos próximos anos.
Acredito que a urna é o lugar por excelência onde a democracia é exercida. Ao caminharmos para ela, abrimos nosso coração para a esperança entrar. E essa é uma tradição que, independentemente do que estiver em disputa, deve ser preservada. Ao vencedor desta eleição, seja ele quem for, eu pediria que contribuísse para dar alimento, oportunidade, saúde e renda a quem mais precisa. E que ele tenha melhor sorte que o príncipe de Prokofiev. Esse é o meu desejo.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813