Por uma circunstância passageira — a reforma da casa onde moro há décadas —, me mudei para um apartamento. Da janela vejo, a certa distância, uma esteira ergométrica descansando na apertada varanda do prédio vizinho. Fico imaginando o que levou o proprietário a confiná-la ali. Teria sido a fantasia de caminhar ao ar livre? Teria ele se iludido, achando que, com o horizonte à sua frente, se sentiria mais motivado a correr atrás de seus objetivos? Ou estaria apenas clamando pela aprovação da plateia involuntária ao redor? Não importa. O fato é que nunca vi essa esteira funcionar.
A visão do apetrecho coberto por uma manta me fez refletir sobre as promessas que fazemos a nós mesmos, geralmente relacionadas ao corpo. Com frequência, elas subestimam o esforço necessário para que sejam cumpridas e não vão além das boas intenções. Aliás, nem precisa ser Ano Novo para as boas intenções darem as caras. Para inaugurar uma nova fase da vida, uma segunda-feira qualquer já basta, não é mesmo?
Mas não só devaneios alimentam promessas irrealistas. É natural a muitas pessoas buscar caminhos mais curtos para atingir uma meta. No campo da perda de peso, sonha-se com atalhos químicos, dos quais o mais recente é a semaglutida. Criada para combater o diabetes tipo 2, ela aparentemente dá uma sensação de saciedade que nenhuma outra classe de medicamentos havia proporcionado antes. Quem ansiava por uma pílula do emagrecimento parece ter tido as preces atendidas — ainda que sua versão mais difundida seja uma injeção.
“Remédio nenhum, desacompanhado de um programa nutricional e esportivo, torna alguém forte”
Com tais expectativas, o fármaco se disseminou à boca pequena, e especula-se sobre quem o usaria. Elon Musk diz sem rodeios que o medicamento o ajudou a ficar “em forma, definido e saudável”. Outras celebridades que enxugaram uns bons quilos juram que nunca ouviram falar da tal medicação, e que a boa forma resulta de uma rotina de exercícios. Se assim é, bom para eles, porque remédio nenhum, desacompanhado de um programa nutricional e esportivo, torna alguém magro, forte e saudável.
Apesar disso, tudo indica que estamos diante de uma “geração semaglutida”. Nos Estados Unidos, a substância chegou a faltar e, na cerimônia do Oscar, virou piada do apresentador Jimmy Kimmel. “Quando olho tanta gente linda à minha volta, me pergunto: ‘Será que eu também me daria bem com o Ozempic?”. Por lá, a expressão “Ozempic face” já se tornou comum para denominar aquelas pessoas que viram o rosto ficar flácido diante da perda de peso acelerada.
Até a alta gastronomia está sendo impactada. Thomas Makkos, dono do estrelado restaurante Nello, em Nova York, relata ter crescido o número de pedidos de meia-porção por usuários do remédio. Não são poucos os clientes que, sob efeito da substância, não conseguem terminar seus pratos.
A rápida aceitação social do remédio pode nos fazer pensar que estamos diante de um milagre. É um engano. Essas medicações, vendidas sem prescrição, não dispensam o acompanhamento médico e não funcionam da mesma forma para todos. Além disso, como o resultado só dura enquanto o fármaco é usado, o efeito rebote é frequente.
Talvez a pílula que nos falte seja aquela que nos faça entender que não existem soluções mágicas.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834