Viajar ao Japão, como fazem agora os atletas olímpicos, não é apenas um deslocamento no espaço. A maior distância em relação ao arquipélago do outro lado do mundo não é geográfica. Para alguém saído dos trópicos, é uma experiência cultural e gastronômica radical, sem paralelo em outros destinos turísticos. Para quem é um jovem atleta de alto rendimento, acostumado a consumir mais de 7 000 quilocalorias por dia, fico imaginando o tamanho do choque cultural (haja barriga de atum para estocar tanta energia necessária ao esporte). Estive em Tóquio pela primeira vez há vinte anos. Impressiona o contraste das imagens de templos históricos refletidas em fachadas de vidro de arranha-céus iluminadas por neon. E também, claro, os restaurantes.
A culinária e os saudáveis hábitos alimentares são um capítulo à parte, que começa pelo café da manhã. Em primeiro lugar, é preciso estar disposto a ir muito além do tradicional pão com manteiga. Com o estado de espírito receptivo ao novo, podemos saborear o tradicional missoshiru, uma sopa preparada com Hondashi (um tempero em pó à base de peixe), soja, tofu e cebolinha. Ou um omelete com nori, a alga marinha mais conhecida por esculpir sushis. Ou ainda um salmão fresco servido em translúcidas fatias. Comer salmão no café da manhã, aliás, é um gosto adquirido, algo que incorporei para sempre ao meu repertório.
“Após um desjejum de rei, os japoneses sabiamente são frugais no almoço”
Após um desjejum de rei, os japoneses sabiamente são frugais no almoço. Preferem aguardar o fim do dia, quando uma happy hour regada a saquê antecipa o jantar, em geral acompanhado de rituais de degustação, sobretudo em ocasiões especiais e celebratórias. A arte de apresentar os pratos prolonga o prazer gastronômico, tornando a refeição um apelo ao paladar e à visão. A moderação do apetite é um estilo de vida e a qualidade dos ingredientes, uma exigência nacional. As pessoas amam sua comida, e entendem que comer bem e comer de forma saudável não são excludentes. Se você pergunta às crianças no ensino fundamental o que desejam ser quando crescer, é muito provável que ouça delas que querem ser restaurateur ou chef — profissão normalmente vista entre as melhores opções de carreira na escola. Curiosamente, é admirável que os japoneses sejam líderes em longevidade e registrem taxas muito baixas de obesidade.
Quanto à etiqueta, há que observar suas especificidades. Em restaurantes é considerado falta de educação pedir guardanapo. Afinal, o ohashi (ou hashi) nos permite levar pequenas poções direto à boca, dispensando a necessidade do acessório.
Se o país oriental parece hoje menos distante é porque, desde a grande imigração nipônica, nós estamos aprendendo com os japoneses. Nos anos 60, embalados pela valorização espiritual que se contrapôs ao consumismo, muitos jovens absorveram princípios da filosofia zen-budista. Mais tarde, quase em contraponto à calma sugerida por esses altares, aportou por aqui o conceito empresarial japonês do just in time, que fez a cabeça e a planilha de executivos de todos os quadrantes. E, finalmente, nos rendemos aos sashimis e outros quitutes, que tomaram de assalto a cena culinária brasileira.
Na modalidade boas influências, acho que merecemos o ouro.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749