A cultura popular sempre louvou a discrição e o silêncio. O ditado “em boca fechada não entra mosca” resume a sabedoria contida nessa convicção. Transmutada pela superstição, essa ideia vai dar na crença de que revelar a própria felicidade atrai má sorte. Hoje, porém, nem juízo nem medo de mau agouro parecem ter vez: a superexposição nas redes sociais vence tudo. Foi então com um sorriso que eu li no The New York Times que esconder dos outros um segredo feliz é, sim, algo importante. Quem diria?
No caso, quem diz são os autores de um artigo publicado na edição de novembro de uma revista da Associação Americana de Psicologia, no qual divulgam o “segredo dos segredos”: guardar notícias boas só para si é “energizante”.
As pessoas com as quais convivo sabem disso muito bem. Seja para proteger seus negócios ou se mostrarem confiáveis, executivos e grandes empresários não costumam se manifestar sobre seus feitos até que eles se tornem realizações concretas. Quem sabe o estudo nos autorize a atribuir seu sucesso, justamente, à energia que os segredos dão?
Essa energia, segundo o coordenador da pesquisa, não é um pique passageiro. Ela se assemelha mais àquele impulso duradouro que nos move dia após dia quando nos dedicamos com afinco a algo importante. Em uma palavra, “motivação”.
A ciência já sabia que segredos pesavam sobre a nossa saúde, não só a mental. Pessoas preocupadas por esconder algo importante relataram a pesquisadores dificuldades para executar tarefas físicas a que foram submetidas. Era como se, de fato, o segredo sugasse a força delas.
“Nem tudo, por mais pesado que seja, pode ser revelado. Algumas cargas temos que suportar”
Nem tudo, por mais pesado que seja, pode ser revelado. Algumas cargas temos que suportar. Outras, protegemos por vontade própria. E aí reside a principal diferença entre os segredos. Em geral, guardamos uma notícia boa porque queremos, e não por responsabilidade ou pressões sociais. A energia que se aloja junto da novidade positiva viria, então, da decisão de saborear sozinho um triunfo.
Todos temos nossos pequenos prazeres e nem sempre queremos dividi-los. Sam Altman, o criador da OpenAI, admitiu em uma entrevista recente que tinha uma conta secreta no antigo Twitter na qual podia se expressar com menos comedimento. Provavelmente a sua capacidade de manter algo assim escondido ajude a entender como ele criou e lidera uma empresa que mantém seis meses de vantagem sobre a concorrência no negócio mais revolucionário da atualidade.
Temo que essa sensação de saborear intimamente algo, seja uma conquista ou um deleite muito pessoal, possa desaparecer nessa era em que nada parece ter sido vivido se não for postado. Não só é ruim para quem vê e fica cobiçando as conquistas alheias. Muitas vezes quem compartilha tudo, da viagem de férias à promoção no emprego, corre o risco de se tornar dependente do elogio fugaz.
Segundo os cientistas, optar por apreciar sozinho um bom segredo nos dá uma sensação de controle sobre nossas escolhas e valores. Mas isso não quer dizer que o mistério tenha de durar indefinidamente. Os efeitos de guardar uma boa notícia com o fim de contá-la depois, imaginando a reação feliz, são parecidos. É você quem decide por quanto tempo quer ter o gosto de ser o único a saber.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870