Não há mãe que não dê conselhos, e não há filho que, muitas vezes, não revire os olhos ao ouvi-los. Por outro lado, com certeza já nos pegamos admitindo, em alguns casos, que “mamãe tinha razão”. Essa é uma verdade sem fronteiras. Nos Estados Unidos, onde estive para participar de um fórum de investimentos, o Dia das Mães foi celebrado no domingo passado, como no Brasil. Às vésperas da data, o The New York Times perguntou aos leitores: “Em que sua mãe estava certa?”. A intenção do jornal americano era a de publicar as respostas como uma homenagem à sabedoria e ao carinho contidos num conselho materno.
Quando li sobre esse desafio e pensei na minha mãe, a primeira coisa que me veio à mente foi mais engraçada do que exatamente útil. Ela dizia que, para um filho nascer, era preciso que a mulher se pendurasse na porta do armário. Um alerta compreensível se dito por alguém que presenciou crianças virem à luz pelas mãos de parteiras, e não em leitos cirúrgicos. Assim como muda a maneira como chegamos ao mundo, mudam os valores e os costumes que o regem. Por isso, muitas vezes é difícil uma prescrição sobreviver ao tempo. Pensamentos antigos, repetidos de geração em geração, deixam de ser verdadeiros.
“Pensamentos antigos, repetidos de geração em geração, deixam de ser verdadeiros”
Como toda mãe, dona Floripes se emocionava com as conquistas da prole. Muitas vezes não entendia nossos feitos profissionais e financeiros ou nosso orgulho por vencer desafios. Mas para ela bastava que estivéssemos felizes. Filha de sua época, ela viveu voltada para o cuidado do lar, atividade em que era muito talentosa. Intuitivamente preparava as filhas para seguirem esse caminho, e vários ditos do seu repertório refletiam sobre a posição que a mulher tinha na sociedade. Alguns já, então, tinham pouco sentido para mim; outros, passados os anos, se revelaram sábios.
Entre as convicções que expressava, estava a de que uma mulher nunca devia dizer tudo ao marido. É uma máxima que permite diferentes interpretações, todas um pouco fora de moda. Estaria ela dizendo que o papel da esposa era manter a harmonia do lar nem que fosse por meio de pequenas omissões? Ou talvez que fosse preciso certa esperteza para gerir os recursos financeiros do marido, ajeitando as contas aqui e ali, a fim de evitar desgastes? Outro pensamento comum e que caiu em desuso era o de associar peso e saúde. “Come, filha, senão você não fica forte”, dizia mamãe, assim como grande parte das genitoras de antigamente. O aspecto robusto, fosse nos bebês ou nos mais crescidos, era visto como prova de infância privilegiada. Mesmo adulta e acima do peso, aos olhos da minha mãe eu estava sempre ótima, ou demasiadamente magra. Nisso ela estava errada.
É bom deixar que a poeira se assente sobre as ideias que não cabem mais. Mas outras tantas resistem às mudanças de hábitos. Por exemplo, duvido que mesmo uma jovem mãe do século XXI deixe o filho sair de casa sem falar “leve um casaquinho”. Acho até que, para quem já não tem a mãe por perto, repetir suas palavras é uma forma de trazê-la de volta à vida um pouquinho. Como se diz, às vezes, quando abrimos a boca, é nossa mãe que sai dela. Se a sua ainda está ao seu lado, não espere até o próximo Dia das Mães para repetir, em alto e bom som, quanto é bom tê-la por perto. Concordando com seus conselhos ou não.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842