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Coluna da Lucilia

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Flanar em Paris

Na cidade olímpica, caminhar é quase um esporte amador

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 jul 2024, 13h00 - Publicado em 19 jul 2024, 06h00

Em poucos dias, todos os olhos estarão voltados para a Olimpíada de Paris. Também eu vou dirigir meu interesse ao evento. Afinal, ele une dois aspectos que me são muito caros. De um lado, o apreço pela atividade física; de outro, a admiração pela Cidade Luz. Nada traduziria melhor a ideia de “mente sã em corpo são”.

Jogos à parte, Paris vem fazendo um esforço para se tornar mais verde e saudável, e uma de suas metas mais ambiciosas é diminuir a dependência do automóvel. Recentemente, uma pesquisa atestou o resultado: os habitantes da cidade usam hoje mais a bicicleta do que o carro. Autoridades comemoraram destacando a boa coincidência com a proximidade do evento esportivo.

Apesar de ser muito positivo que só pouco mais de 4% dos parisienses prefiram o carro, foi outro dado que me chamou a atenção na pesquisa, encomendada por um consórcio de empresas públicas e privadas: mais da metade da população escolhe se deslocar a pé! Prova, mais uma vez, de que os franceses sabem honrar uma tradição.

“Além da flânerie, há outra tradição parisiense a zelar: a do bem viver, mas sempre com moderação”

Em Paris, andar é um esporte amador que todos praticam. E tinha mesmo de ser, pois foi lá que o “flanar”, o hábito de vagar ao acaso por caminhos não planejados, foi inventado. Essa coisa de “zanzar por aí” decorreu da intensa modificação urbana sob Napoleão III. Antes disso, Paris era bem diferente. O século XIX já ia pela segunda metade, mas a região central tinha contornos medievais, marcada por vielas tortas e malcheirosas. Das obras comandadas pelo Barão Haussmann, nasceram espaços arejados: jardins, parques e os famosos bulevares.

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As novas avenidas tinham a medida certa para acomodar a multidão, no meio da qual o artista moderno buscava refúgio, segundo Baudelaire. Foi o poeta quem sacramentou na cultura ocidental a figura do flâneur, esse andarilho sem destino.

Tudo convida ao passeio. As calçadas bem desenhadas, pontuadas por comércios tradicionais e cafés com terraço, coroadas por edifícios ordenados. A surpresa com os sutis tons de verde-acinzentado do Sena, surgindo após voltas sinuosas por vielas desconhecidas. Paris se orgulha de ter inventado, a partir do traçado urbano, uma forma de viver que valoriza a rua. Daí o apreço dos habitantes pelo desfilar cotidiano em suas vias. Hoje, a cidade se reinventa mais uma vez. Quando Paris ganhou as feições que conhecemos, havia uma preocupação, de um lado, sanitária — para conter epidemias — e, de outro, política — as vias tortas e calçadas com pedras tinham sido fechadas em barricadas durante revoltas anteriores.

Já os planos atuais miram conter a mudança climática. A arborização, que já havia sido incentivada no século XIX, vem se intensificando. E, além de novas ciclovias, ruas para pedestres têm sido implantadas, o que só deve reforçar as características que há 200 anos fazem de Paris a cidade caminhável por excelência. Claro que, em se tratando da França e, particularmente, de sua capital, além da flânerie há outra tradição a zelar: a do bem viver. Entre tantas particularidades marcantes da cultura local, está a de não se negar prazeres, com moderação. Percorrer, sim, quilômetros a pé, mas terminar o passeio com um aperitivo, sem culpa. Manter o corpo e a mente sãos atravessando ruas bem cuidadas é o que se pode esperar da Paris reinaugurada.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902

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