Chegamos ao fim de outubro, época em que os antigos do Hemisfério Norte se dedicavam a espantar os males que rondavam a Terra. Os celtas acreditavam que, na noite do dia 31, a fronteira entre o mundo dos espíritos e o nosso se afinava. Para evitar que eles passassem, acendiam fogueiras e usavam disfarces. Ainda que o costume do Halloween tenha se reduzido ao lema “gostosuras ou travessuras”, às vezes penso nessa tradição e me pergunto: quais seriam nossas assombrações contemporâneas e como afugentá-las?
Em nosso tempo, pouco convivemos com a escuridão e o silêncio, morada habitual dos medos. Ao contrário, temos “fogueiras” sempre acesas: os clarões das telas nos recordam dos relatórios a ler, das mensagens a responder, das agendas que se sobrepõem. Essas luzes não espantam e, sim, atraem os fantasmas atuais: a urgência constante, o tempo curto, a sensação de estarmos conectados a tudo, menos a nós mesmos. Tememos perder algo importante e, nesse esforço, acabamos por nos perder.
Nesse ambiente, não daria para encontrar um saci, pois ele precisa do escuro mais escuro para viver. O 31 de outubro é dia dele também, e confesso que acho essa uma celebração mais simpática. Ou talvez, esperto como é, o serzinho de uma perna só tenha dado um jeito de se reinventar. Em vez de soprar brasas no fogão de lenha, hoje embaralha nossos pensamentos entre uma notificação e outra. Segundo a lenda, ele é quem causa as pequenas desordens do cotidiano. Nossas distrações, esquecimentos e impaciências não seriam diabruras suas também?
“É tentador atribuir ao sobrenatural, na forma de bruxas ou sacis, os efeitos da sobrecarga”
É tentador atribuir ao sobrenatural, na forma de bruxas ou sacis, os efeitos da sobrecarga. As causas, contudo, são terrenas: o excesso de compromissos, o desejo de lidar de forma eficiente e, ao mesmo tempo, leve com tudo — as finanças, a família, a saúde, o futuro. Queremos produtividade e bem-estar; longevidade, mas com a vitalidade da juventude. Buscamos a harmonia perfeita entre trabalho, afeto, corpo e mente. Às vezes parece que só um feitiço daria conta.
O segredo para driblar o saci era entrar num pé de vento com uma peneira e prendê-lo numa garrafa. E, mais importante, tirar sua carapuça, a fonte de seus poderes. Antes de tudo, porém, lidar com ele exigia reconhecer sua existência. “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”, já dizia o ditado. O mesmo se dá com nossas inquietações: só conseguimos vencê-las se as nomeamos. Mas essa figura folclórica é também um símbolo da insubmissão. Talvez seja uma inspiração para aprendermos a resistir a uma rotina que nos engole. Não é preciso quebrar grandes regras; basta olhar de outro modo para o tempo. Fazer pausas reais, respeitar o corpo e seus limites, investir na reserva de energia tanto quanto na financeira. Aliás, é curioso lembrar que 31 de outubro é também o Dia da Poupança. Não há investimento mais seguro do que cuidar de si para os anos que virão.
O mais importante é iluminar nossas assombrações, por menores que sejam, e enfrentá-las. Encarar o que nos assusta pode parecer mais difícil que capturar uma entidade saltitante no meio do redemoinho. Mas, quando conseguimos, a recompensa é melhor que qualquer doce de Halloween.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
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