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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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As pessoas estão mais tristes e os impactos na saúde merecem atenção

Índice de percepção negativa apurado pelo Instituto Gallup mantém-se em patamar elevado — e estresse pode afetar, ou piorar, a saúde

Por Claudio L. Lottenberg
Atualizado em 14 Maio 2024, 00h01 - Publicado em 27 jul 2023, 10h17

Em seu romance de estreia, O Nome da Rosa (de 1980), Umberto Eco narra uma discussão entre os personagens Guilherme de Baskerville e Jorge de Burgos. O primeiro defende o riso como um “bom remédio” contra afecções como a melancolia. Jorge, por sua vez, é avesso ao riso: diz que “sacode o corpo, deforma os traços” e “é sinal de estultice”, estupidez.

O primeiro personagem, do ponto de vista da ciência, está coberto de razão. O espaço seria pequeno para listar as virtudes do riso. Algumas delas são: liberar endorfina (hormônio relacionado a sensações de prazer, felicidade, bom humor, com efeito analgésico); fortalecer o sistema imunológico (eleva a produção de células de defesa como linfócitos e anticorpos); melhora o fluxo sanguíneo e a função cardiovascular (rir faz bem para o coração); tudo isso dá força para encarar a vida com disposição e otimismo; fortalece laços sociais ao criar um laço emocional entre aqueles que riem juntos. A lista não para aí.

A disposição do mundo, no entanto, está mais para a de Jorge. O levantamento anual do Instituto Gallup — o Gallup Global Emotions 2023 — mostrou que o Índice de Experiência Negativa ficou em 33 pontos, em uma escala 0 a 100. O resultado é o mais alto da série iniciada em 2006, e se baseia em 147 mil entrevistas, feitas no ano passado, com pessoas de 142 países.

Segundo o Gallup, quatro em cada dez adultos disse ter experimentado muita preocupação ou muito estresse. Quase um em cada três experimentou muita dor física. Pouco mais de um em cada quatro experimentou tristeza, e pouco menos que isso experimentou raiva.

Não é de estranhar que a sensação de se estar em uma realidade negativa tenha se mantido alta, como em 2021. No ano passado teve início uma guerra (Rússia contra Ucrânia) que não dá sinais de que vá parar em qualquer futuro previsível. Inflação ainda é um desafio que bancos centrais pelo mundo têm encontrado dificuldade de combater. A pandemia deixou um legado que vai custar a ser superado (sem poder apagá-lo). Motivos para sorrir não estão exatamente ao alcance da mão — e menos que em todos os países, no Afeganistão e em Serra Leoa, ambos mergulhados em profundas crises, de diversas ordens (política, econômica, sanitária, humanitária, entre outras).

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E sim, essa condição de estresse prolongado, causado pela angústia diante de um mundo que para não pouca gente parece prometer poucos motivos para sorrir, atinge o corpo. Como já tivemos ocasião de lembrar neste espaço, a depressão tem se espalhado: no Brasil, dados do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), divulgado em junho, mostra que 26,8% dos brasileiros foram diagnosticados com ansiedade. Outros 31,6% da população de 18 a 24 anos lideram em ansiedade — principalmente no Centro-Oeste do país (32,2%) e entre as mulheres (34,2%). E 12,7% relataram terem sido diagnosticados com depressão.

O site do Ministério da Saúde lista algumas das complicações decorrentes do estresse: dor de cabeça; dificuldade para dormir; irritabilidade; falta de concentração; comer demais ou o contrário; raiva; tristeza; maior risco de acessos de asma e artrite; problemas no coração; diabetes; menor apetite sexual. A lista tem outros itens, mas só estes já bastariam para mostrar que a visão negativa das coisas não tem nada de atrativa. E um outro efeito negativo nada trivial: manter a sobrecarga com que já têm de lidar os sistemas de saúde (público e privado).

Não vai daí dizer-se que mudar a disposição frente a uma realidade negativa é fruto de pura e simples escolha. Não temos um interruptor de bom humor/mau humor. Até porque, como se disse, em alguns casos os obstáculos a uma visão mais positiva da vida e do mundo dependem de soluções para problemas geopolíticos e geoeconômicos que não se resolvem de imediato (alguns fazem inclusive duvidar de que haja uma solução).

Como diria Aristóteles, a virtude está no caminho do meio. Encontrar espaço para algum alívio em meio às agruras em que alguém se encontre não só tem o benefício de abrir o céu nublado e deixar passar alguma luz (no sentido figurado, óbvio), como riso e alegria podem contribuir positivamente para a saúde geral e o bem-estar. Sem esquecer que riso e alegria, excelentes como sejam, só são remédios também no sentido figurado. Problemas de saúde requerem acompanhamento médico. Se este puder ser combinado com otimismo e boa disposição, tanto melhor.

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