Com grandes dificuldades, Guglielmo Marconi tentava vender aos navios o seu telégrafo sem fio. Mas eis que, em 1912, um iceberg entrou na rota do Titanic. Graças ao telégrafo embarcado, um cargueiro nas proximidades captou o SOS e resgatou 700 passageiros. No fim das contas, o iceberg vendeu mais equipamentos do que conseguiria algum mago de marketing.
Apesar dos loquazes arautos de tecnologias redentoras, a escola sempre deu as costas a elas. O cinema vai revolucionar a escola! Com o rádio a escola chega a qualquer grotão! Com a TV a escola não será a mesma! Entram em cena os computadores na educação, e lá se vão cinquenta anos de tentativas. Agora é a nuvem. O que têm em comum esses inventos revolucionários é o seu fracasso retumbante no ensino acadêmico. Nada deu certo. Ou foi ignorado ou não mostrou resultados (como é o caso do computador na aula).
Como qualquer organização, a escola tem sua cultura, suas práticas consagradas e, igualmente, ferozes mecanismos para defendê-las. Não é um reles computador que mudará seus hábitos seculares. Com um peteleco, a tralha vai para o armário e nunca mais é vista. Ou enguiça e ninguém conserta.
Não prestam essas inovações? Prova de seu valor é a sua adoção nos cursos profissionais, naqueles oferecidos nos programas de educação corporativa e em tudo que não é o ensino acadêmico. Bravamente, a escola resistia.
“A escola tem suas práticas consagradas. Um reles computador não mudará hábitos seculares”
A Covid-19 foi o iceberg que se chocou com essas escolas. O serviço foi feito por um bicho desse tamanhinho. Depois de rejeitar, negacear e empacar, da noite para o dia as instituições de ensino foram obrigadas a se bandear para a educação a distância, cuja íntima convivência com a tecnologia vinha de bom tempo.
Quem se persignou, vendo na tecnologia coisa do diabo, de uma hora para outra passou a pilotar computadores, PowerPoints, Zoom, Blackboard, chats e tudo o mais que há por aí. Bem feito, pois a tecnologia tem muito a oferecer (tudo que foi citado acima pode ter o seu lugar).
No entanto, é preciso não cometer um outro pecado. Tecnologia não é pedagogia. É apenas uma mecânica de transmitir conteúdos. Não é a pizza, mas apenas o seu entregador.
O YouTube congela e conserva imagens digitais. Serve para tudo, até para ensinar, desde tabuada até medicina genômica. Pode propor a decoreba. Mas, no “ensino invertido”, permite implementar uma pedagogia eficaz. Nela, o aluno vê o vídeo e depois discute na aula. O YouTube é apenas o meio de transporte.
Confundir o entregador com a pizza é achar que, introduzindo tecnologia, tudo estará resolvido. Não estará. O mais reluzente tablet pode estar a serviço de decorar as capitais da Ásia Central. Mas dá certo quando é o canal para estratégias de ensinar conteúdos de forma criativa. Devemos também entender: tecnologia não é agente de mudança. E tecnologia comprada não vem com as ideias necessárias para o seu bom uso.
Primeira lição: lamentamos, mas há mudanças que requerem uma tragédia para ser implementadas. Segunda: tecnologia na educação é apenas meio de transporte, nem redentora nem portadora de uma boa pedagogia.
Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699