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Cidades sem Fronteiras

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A cada mês, cinco milhões de pessoas trocam o campo pelo asfalto. Ao final do século seremos a única espécie totalmente urbana do planeta. Conheça aqui os desafios dessa histórica transformação.
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De maioria rural, Índia vive o desafio de criar cidades que não se tornem ilhas de prosperidade em um mar de miséria

O primeiro ministro da Índia Narendra Modi está diante de um impasse. Embora o país que governa esteja se urbanizando rapidamente, as condições de vida são precárias na maioria das cidades. Mas Modi tem senso de oportunidade e, em vez de enxergar nisso um problema, viu uma possível solução. Meses após assumir o cargo, em maio […]

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2024, 11h03 - Publicado em 23 fev 2015, 20h53
Índia: das grandes economias emergentes, é a única em que a maioria da população ainda vive no campo

Índia: apenas um terço do 1,2 bilhão de habitantes vive em cidades, a urbanização cresce ano a ano

O primeiro ministro da Índia Narendra Modi está diante de um impasse. Embora o país que governa esteja se urbanizando rapidamente, as condições de vida são precárias na maioria das cidades. Mas Modi tem senso de oportunidade e, em vez de enxergar nisso um problema, viu uma possível solução. Meses após assumir o cargo, em maio passado, ele anunciou um plano de construir 100 cidades inteligentes. Pela lógica dele, cidades melhores trarão melhores condições aos seus moradores e ajudarão a resolver alguns dos mais graves problemas indianos. Faz sentido. Afinal, um dos maiores temores do país é o desemprego, e é bem mais fácil criar postos de trabalho urbanos do que rurais.

A força de trabalho indiana é muito mal preparada, já que apenas 30% da população frequentou escolas. É também muito jovem: metade do país não completou 25 anos, número que representa também a idade média da população (a média americana é de 38 anos; a brasileira, 30). Tudo isso ocorre em proporções astronômicas, já que vivem no país 1,2 bilhão de pessoas. Para complicar ainda mais, as leis trabalhistas muito rígidas inibem o trabalho formal, privilégio de apenas 15% dos trabalhadores. Uma alternativa seria se espelhar na China, onde os trabalhadores também são pouco instruídos (embora mais que os indianos), e apostar na fabricação de produtos manufaturados. Mas, justamente por causa da China, o espaço para crescer nesta seara é pequeno. Outro caminho, mais difícil, é melhorar a educação desses jovens e incorporá-los a um setor forte no país e promissor, a prestação de serviços de tecnologia da informação (TI). Para que essas alternativas funcionem, porém, as cidades indianas precisam comportar tanto indústrias quanto serviços.

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Infelizmente, não é o que acontece. Reside na Índia a maior população rural do planeta. São 857 milhões de pessoas ou 68% da população. Apenas um terço dos indianos mora em cidades. Das grandes economias, é a única que ainda não tem maioria urbana — a última a fazer a conversão foi a China, que em 2012 passou a ter mais gente vivendo em cidades (52%) do que no campo. Para se ter uma ideia, no Brasil, 85% vivem em centros urbanos. Espera-se que, nos próximos anos, a maioria dos indianos do campo troque a miséria agrária por empregos urbanos capazes de pagar pelo menos um pouco mais. O momento para isso não poderia ser melhor. Pela primeira vez desde 1999, a taxa de crescimento da Índia em 2014 ultrapassou a da China. Embora a diferença tenha sido de apenas 0,1% (os indianos cresceram 7,5%, e os chineses, 7,4%), dá para dizer que há uma mudança em curso. De acordo com a revista britânica Economist, que traz uma matéria capa sobre o assunto, a Índia se torna o grande país emergente a ser observado, com a China em desaceleração, o Brasil em estagflação e a Rússia em recessão.

Perspectiva da cidade Gujarat

Perspectiva da Cidade Tecnológica Financeira Internacional de Gujarat, que deve ficar pronta em 2020

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Ainda assim, um plano ambicioso como o do primeiro-ministro de criar 100 cidades inteligentes demanda um investimento que a Índia, sozinha, não é capaz de fazer. Narendra Modi planeja erguer dezenas de centros a partir do zero, usando o que há de mais avançado em sistemas tecnológicos e sustentáveis. A cereja do bolo será a Cidade Tecnológica Financeira Internacional de Gujarat, misto de Wall Street e Vale do Silício a ser concluída em 2020. Ela terá painéis solares para fornecimento de energia, coleta de lixo automatizada, reciclagem de água e serviço de mensagens de texto com alertas de trânsito e rotas alternativas a motoristas e usuários de transporte público.

Outro projeto grandioso de Modi é um corredor industrial ligando a capital Nova Deli a Mumbai, a mais populosa do país. Serão 1.000 quilômetros de extensão e 100 bilhões de dólares em linhas de transporte, instalação de empresas e construção de novas cidades no meio do nada. Para bancar tudo isso, Narendra Modi passou o chapéu para ver quem da comunidade internacional se interessaria em participar da empreitada, tendo como contrapartida uma série de vantagens comerciais. O rápido crescimento da economia indiana somado ao potencial de seu mercado interno tornou a proposta atraente aos olhos de várias nações. A Inglaterra doou 1,5 bilhão de dólares e os Estados Unidos já disseram que contribuirão. Singapura responsabilizou-se inteiramente pela criação de uma das cidades, e o Japão arcará com 26% dos custos do corredor Deli-Mumbai.

Em décadas passadas, alguns países passaram por desafios semelhantes ao indiano. Um exemplo bem sucedido é a Coréia do Sul, que deixou de ser um país rural para tornar-se uma das mais desenvolvidas áreas urbanas do mundo. O esforço de Modi para dar um novo rumo à Índia é louvável, mas a caminhada rumo a seu objetivo embute uma armadilha. Para serem prósperas, as cidades inteligentes precisam ter habitantes igualmente prósperos. São as pessoas, e não as edificações, que fazem uma cidade ser o que é. Enquanto são erguidas torres de última geração, milhões de miseráveis não têm acesso a água tratada nem energia elétrica. Nas palavras do economista indiano Amartya Sen, corre-se o risco de criar ilhas de Califórnias em meio a um mar de África subsaariana.

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A maneira de escapar desse prognóstico é observar com atenção o que já existe. O próprio Modi afirmou que, além da construção de dezenas de centros urbanos, ele pretende também implantar ou aprimorar sistemas tecnológicos em diversas cidades. Nem seria preciso criar algo de outro planeta. Porto Alegre, por exemplo, tem um sistema que alerta a prefeitura quando uma lâmpada de rua queima, informando também o ponto exato de sua localização. Com isso, as substituições ficaram muito mais ágeis, pondo fim à insegurança de passar por ruas escuras. No Rio de Janeiro, o Centro de Operações tornou-se referência internacional com medidas como alertas de deslizamentos para moradores de áreas de risco, o que reduziu o número de mortes na época de chuvas. Com medidas como esta, capital fluminense tornou-se em 2013 a primeira latina a conquistar a World Smart City, espécie de Oscar das cidades mais inteligentes do mundo.

Narendra Modi tem a chance de reinventar a dinâmica da Índia urbana. Para isso, precisa escapar da tentação de espalhar elefantes brancos por todo o país. Locais prósperos como Hyderabad e Bangalore, que hoje concentram empresas de tecnologia e bons empregos, existem devido a uma série de fatores combinados, como concentração de mão-de-obra qualificada e instituições de ensino de ponta. Condições como estas não surgem do nada. Se poderão repetir-se, a experiência de Modi está prestes a descobrir. 

Elefante pintado em festival indiano: lembrança do que as cidades inteligentes não podem se transformar
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Elefante desfila em festival indiano: lembrete do que as cidades inteligentes não podem se tornar

Por Mariana Barros
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