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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Suicídios por medicamentos crescem 264% entre 2003 e 2022, diz estudo

Aumento explosivo é creditado às seguidas crises político-econômicas e a falhas na fiscalização e regulação da venda de remédios

Por Andréia Peres Atualizado em 30 jul 2024, 10h56 - Publicado em 30 jul 2024, 09h00

Há algum tempo já vinha acompanhando com preocupação pelo noticiário casos de autointoxicação por medicamentos. O que, a princípio, pareciam ser apenas dramas isolados são, na realidade, a ponta de um enorme iceberg. É o que mostra um estudo inédito desenvolvido pelo Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (Legepi) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia.

Publicada no início de julho pela revista científica Frontiers in Public Health, a pesquisa identifica um aumento de 264% nas taxas de suicídio devido à autointoxicação intencional por medicamentos no país, comparando 2003 com 2022.

Diferentemente do padrão geral das vítimas de suicídio, os óbitos por autointoxicação intencional por medicamentos foram predominantemente de mulheres (55,5%), indivíduos de 30 a 49 anos (47,2%), de raça/cor branca (53,2%) e na Região Sul (22,8%).

Em entrevista exclusiva à coluna, Jesem Orellana, doutor em Epidemiologia, chefe do Legepi e coordenador da pesquisa, diz que as seguidas crises político-econômicas que o Brasil enfrentou a partir de 2015/2016 e, mais recentemente, a pandemia de Covid-19 favoreceram esse aumento “explosivo”.

“Há uma literatura bastante rica mostrando que, em momentos de instabilidade política e econômica, guerras e desastres naturais, quando o sofrimento da população aumenta, muitas pessoas desistem de viver”, explica. “Parece que isso acaba sendo uma das principais justificativas para esse cenário assustador que temos no Brasil a partir de 2015/2016 em relação às mortes por autointoxicação intencional medicamentosa.”

Para o pesquisador, além do papel crucial das crises, também estamos falhando em diferentes frentes, como na fiscalização e regulação da venda de medicamentos e no treinamento de profissionais, especialmente dos que atuam em emergências.

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FALTA FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO DAS VENDAS DE MEDICAMENTOS

De acordo com a pesquisa, 40,4% dos óbitos provocados pelo suicídio por autointoxicação intencional envolvem medicamentos de circulação restrita, que dependem de prescrições especiais, como antiepilépticos, sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e outros psicotrópicos, em geral. Outros 54,8% se devem a medicamentos não especificados. Ou seja, qualquer remédio ou mesmo drogas sintéticas ou semissintéticas, vendidas livremente em raves.

Por trás dos dados, há inúmeros motivos para preocupação. Primeiro, as condições de vigilância hospitalar e epidemiológica em relação à intoxicação ainda são bastante limitadas. “Há uma série de incertezas em relação ao tipo de substância utilizada”, diz o pesquisador, chamando atenção para a importância do preenchimento adequado da causa da morte nas declarações de óbito do sistema de informações sobre mortalidade no Brasil.

Outro problema apontado por ele é a falta de fiscalização e regulação das vendas de remédio. “Se você chegar em qualquer farmácia e pedir uma cartela de paracetamol, por exemplo, te vendem. Se você pedir 15 cartelas, te vendem também”, diz ele. “Esses remédios deveriam ser comercializados no varejo, mas acabam sendo vendidos no atacado, sem nenhum controle, apesar da sua toxicidade em altas doses”, alerta.

Apesar das crises econômicas, o varejo de medicamentos tem apresentado crescimento significativo no Brasil, com receitas recordes. O setor também tem ampliado as vendas on-line promovendo ofertas especiais, em que ao comprar duas caixas de medicamentos, o cliente leva uma terceira caixa gratuitamente, entre outras iniciativas.

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Para piorar o cenário, há ainda, de acordo com o pesquisador, falta de controle na distribuição e no uso de medicamentos dentro do contexto hospitalar ou das unidades de saúde e um déficit grande de psiquiatras no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede suplementar, nos planos de saúde.

Por conta da alta demanda, esses profissionais prescrevem medicamentos para tratar transtornos mentais, como depressão e ansiedade, altamente comuns, mas não conseguem, muitas vezes, fazer o acompanhamento regular dos pacientes. Na prática, acabam, segundo o pesquisador, receitando remédios para dois ou três meses de tratamento e, em situações mais excepcionais, até seis meses. “Precisamos prestar mais atenção em como os medicamentos estão sendo comercializados e também de que forma estão sendo prescritos nos consultórios médicos”, diz ele.

De acordo com Orellana, o Brasil é um dos países que está puxando para cima a curva de suicídios na América Latina nos últimos 5, 6 anos e já passou da hora de encarar de frente esse problema.

Além de maior controle e fiscalização dos medicamentos, o epidemiologista defende o investimento em qualificação dos profissionais e em estruturas de suporte psicossocial, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).  Também aponta como urgente o aperfeiçoamento do treinamento de profissionais em unidades básicas de saúde (UBS) e emergências. “Muita gente chega intoxicada, em sofrimento psíquico ou social, e quem atende ignora ou lida com o problema de forma preconceituosa”, afirma. “Quando você não tem uma equipe treinada, voltada para identificar esses pacientes, pode acabar deixando passar uma oportunidade de resgatá-los e acolhê-los”, lamenta.

Os dados não deixam dúvidas. Estamos diante de uma “epidemia silenciosa” que tem matado milhares de pessoas. Apesar dos avanços na atenção à saúde mental no Brasil nas últimas décadas, há muito ainda por fazer.

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* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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