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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil

Projetos de leis municipais buscam dificultar o acesso ao aborto legal

De 2017 a 2024 foram apresentados 103 projetos de lei sobre aborto ou nascituro nas câmaras municipais das capitais brasileiras, aponta levantamento

Por Andréia Peres 15 abr 2025, 09h00

Sem grande alarde nos meios de comunicação, nos últimos 8 anos, vereadores de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife e João Pessoa propuseram verdadeiras barbaridades às mulheres e meninas que buscam realizar um aborto legal, como obrigá-las a ouvir batimentos cardíacos do feto, receber informações falsas sobre supostos efeitos colaterais do aborto ou se submeter a demonstrações de como um feto é extraído do ventre materno. Na capital paraibana, um projeto com propostas desse tipo se tornou, infelizmente, lei em 2024.

De acordo com um levantamento publicado no início deste ano pelo Instituto AzMina, uma organização que luta pela igualdade de gênero, 103 projetos de lei sobre aborto ou nascituro foram apresentados nas câmaras municipais das capitais brasileiras. A maioria deles (67%) busca restringir o acesso ao direito ao aborto legal, propondo alterações legais que dificultam o acesso ao procedimento ou influenciando negativamente o debate público nesse sentido.

“Os projetos vão desde restringir gastos públicos com organizações que trabalham com esse tema nos territórios até incentivo a doação legal de crianças cuja gravidez foi resultante de estupro e campanhas de alienação que disseminam uma série de notícias falsas sobre aborto, como supostos riscos psicológicos e físicos para as mulheres que optam pela interrupção”, alerta a socióloga Clara Wardi, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) em entrevista à coluna.

Segunda ela, o Brasil tem vivenciado várias ameaças institucionais ao aborto legal, principalmente a partir do governo Bolsonaro (2019-2022). “Não tivemos nenhuma perda em termos legais em nível federal, mas há vários projetos de lei sendo aprovados em nível municipal que retrocedem, sim, com o aborto legal”, diz ela.

GRAVES AMEAÇAS AO ABORTO LEGAL

Para a socióloga, esses projetos representam um risco de institucionalizar práticas que violam os direitos das mulheres e também criam insegurança jurídica para profissionais de saúde que trabalham com isso.

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De acordo com o levantamento  do Instituto AzMina, entre 2023 e 2024, cinco capitais brasileiras (Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Maceió, João Pessoa e Fortaleza) protocolaram projeto de lei que busca notificar procedimentos de aborto realizados no município às secretarias de saúde ou à polícia, com textos idênticos ou similares. “São projetos que tentam fragilizar a segurança dos dados das mulheres e dos profissionais de saúde para promover perseguições”, alerta a especialista. “É uma bola de neve que acaba prejudicando o acesso à saúde e aumentando o número de abortos feitos em condições inseguras e até mesmo contribuindo para um aumento da gravidez infantil”.

No Brasil, o aborto é garantido por lei nos casos de risco de vida para a gestante, feto anencéfalo e estupro. Esses casos devem ser atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em suas estruturas municipais. Não é competência dos vereadores(as) legislar sobre a criminalização ou legalização do aborto, mas é responsabilidade deles(as) fiscalizar e assegurar o acesso ao aborto legal. Infelizmente, não é o que vem acontecendo, especialmente nos casos de estupro.

CRIANÇA NÃO É MÃE

De acordo com o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher 2025, divulgado em março pelo Ministério das Mulheres, em dez anos (2013-2023), o Brasil teve 232 mil nascimentos em gestações de meninas de até 14 anos, idade em que o estupro é presumido e o direito ao aborto deve ser garantido.

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De forma geral, o chamado estupro de vulnerável atinge desproporcionalmente as meninas negras e indígenas. Segundo estudo da Rede Feminista de Saúde, divulgado no final de 2024, o percentual de meninas mães negras que  era de 71,7%, em 2019, passou para 75,7%, em 2022. Já em relação às indígenas, representaram 6% do total de casos entre as   meninas mães, em 2022, e 3,2% dos casos na década 2010-2019. Para a especialista, esse recorte é muito importante para mostrar o maior aprofundamento das desigualdades raciais. “São as meninas em situação de vulnerabilidade social e econômica, em sua maioria, que tentam acessar o aborto legal e não conseguem”, diz ela.

Segundo Wardi, projetos em tramitação em diversas cidades brasileiras buscam, de forma geral, institucionalizar o embrião como um sujeito de direito em detrimento do direito das mulheres e das meninas que, muitas vezes, passaram por uma violência sexual. Um movimento que a socióloga classifica como “uma ofensiva contra os direitos sexuais e reprodutivos ligada a um projeto político da extrema direita muito baseado numa perspectiva religiosa e biologizante da mulher”.

A criação de leis municipais contrárias ao aborto legal não são o único obstáculo enfrentado por quem precisa acessar esse serviço nos municípios.  Muitas vezes, as meninas que sofrem um estupro e engravidam são obrigadas a fazer uma verdadeira peregrinação para conseguir o acesso.

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De acordo com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, do Ministério da Saúde, o serviço de interrupção legal da gestação é oferecido somente em 2% dos municípios. Isso sem contar as barreiras morais, os estigmas ou mesmo a falta de uma rede apoio. “A menina que se descobre grávida por violência sexual no Brasil vai passando por uma série de funis que tornam praticamente impossível de ela conseguir acessar esse direito”, lamenta a especialista.

A socióloga Clara Wardi vê, no entanto, com otimismo a publicação em janeiro deste ano de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o atendimento a vítimas de violência sexual.

Resolução n° 258, de dezembro de 2024, estabelece um protocolo específico em caso de gravidez de criança e adolescente resultante de violência sexual. Entre outras coisas, a norma determina que o acesso à interrupção legal da gestação “não dependa da comunicação aos responsáveis legais quando isto puder ocasionar danos à criança ou adolescente”, como nos casos em que houver suspeita de violência sexual ocorrida na família. É bom lembrar que, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%).

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Ainda estamos muito longe de garantir o direito ao aborto legal às meninas e mulheres, mas em meio a tantos retrocessos essa é, sem dúvida, uma boa notícia, que merece ser festejada.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.

 

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