Avanços e retrocessos nos direitos humanos marcam o segundo ano do Lula 3
A avaliação é da Human Rights Watch, que cobra urgência na resposta à crise climática, maior controle dos agrotóxicos e reforma das forças policiais

Seca extrema, incêndios florestais, enchentes no Rio Grande do Sul… Uma série de eventos climáticos extremos marcaram 2024 com prejuízos importantes aos direitos humanos, avalia César Muñoz, representante da organização internacional Human Rights Watch no Brasil, em entrevista exclusiva à coluna.
“O ano de 2024 mostrou a vulnerabilidade do Brasil às mudanças climáticas e a extrema urgência de responder a essa crise”, alerta ele. Para se ter uma ideia dos estragos, a seca prolongada, a maior dos últimos 70 anos, afetou 25 das 27 unidades federativas impactando a vida de quase 200 milhões de pessoas. Já as enchentes no Rio Grande do Sul atingiram 478 dos 497 municípios do estado, afetando mais de 2 milhões de pessoas.
DESMATAMENTO DIMINUIU, MAS DEGRADAÇÃO DE FLORESTAS PREOCUPA
Segundo o representante da Human Rights Watch no Brasil, de forma geral, houve avanços e retrocessos nessa área. “Há resultados muito positivos como a redução de 31% no desmatamento da Amazônia, por conta da retomada das ações interrompidas no governo Bolsonaro”, analisa. Por outro lado, também há dados extremamente preocupantes, como a degradação de quase 36 mil quilômetros de florestas de janeiro a novembro de 2024 e os planos de investimento do governo federal em combustíveis fósseis, que são os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta.
“É necessário investir na restauração dessas áreas e em rastreabilidade, para impedir que a madeira extraída ilegalmente e o gado criado em áreas protegidas entrem nas cadeias de produção”, aponta. César também critica a aposta do governo federal no desenvolvimento de novas explorações de combustíveis fósseis.
SEGURANÇA PÚBLICA PRECISA AVANÇAR MAIS
Outra área que avançou, mas ainda precisa avançar mais é a de segurança pública. Para o especialista, o governo federal acertou ao impulsionar o uso das câmeras corporais. A criação de um grupo de trabalho no Ministério Público sobre a questão racial na segurança pública também merece ser comemorada, assim como o início dessa discussão no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com uma série de recomendações concretas para o país adotar.
Segundo ele, é preciso que o Brasil faça essa lição de casa e que haja uma reforma das forças policiais, com a participação da sociedade civil, para que elas sejam mais eficientes e transparentes. César Muñoz também defende a adoção de protocolos e de punições para o uso inadequado das câmeras corporais, além de uma postura mais atuante do Ministério Público no controle externo da polícia.
PROGRESSOS IMPORTANTES NA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS
A questão indígena apresentou progressos importantes, como o avanço da demarcação de terras, no segundo ano do governo Lula 3. “Estudos internacionais mostram que quando comunidades indígenas têm essa segurança e o controle do território, essas áreas têm muito menos desmatamento”, afirma o especialista. “Não é só uma questão de direitos indígenas, mas uma forma de proteger a floresta.”
O representante da Human Rights Watch no Brasil critica, no entanto, a pendência do Marco Temporal, que agora está em processo de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), para buscar uma solução sobre o reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas. “O direito internacional é muito claro. Você não pode simplesmente pegar uma data arbitrária e dizer que depois dessa data os povos indígenas não têm direitos. Isso é uma violação do direito internacional. O STF precisa retomar esse tema”, aponta.
RETROCESSOS NO CONTROLE DOS AGROTÓXICOS
Desde novembro de 2024, a ONG, que é referência em direitos humanos, também vem alertando sobre outro problema grave no Brasil: a questão dos agrotóxicos. Em média, uma pessoa morre a cada três dias por intoxicação por agrotóxicos no país, de acordo com dados do sistema de notificação do Ministério da Saúde, afirma nota da organização.
Segundo César Muñoz, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Alguns deles são produzidos na Europa, mas estão banidos do mercado europeu pelo impacto gravíssimo na saúde das pessoas, que pode incluir cegueira, danos a órgãos vitais e até a morte. Apesar disso, são vendidos livremente no Brasil, uma situação que ele classifica como “inacreditável e inaceitável”.
“A aprovação do chamado ‘pacote do veneno’, em dezembro de 2023, reduziu o papel dos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde na autorização de agrotóxicos, que agora fica, na prática, nas mãos do Ministério da Agricultura”, lembra o especialista. “O governo federal tem muito o que fazer nesta área. Precisa atuar”, avalia.
Entre as ações cobradas pelo representante da Human Rights Watch no Brasil está o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos, investimentos no fortalecimento da agricultura orgânica e agroecológica e uma atuação mais contundente do Ministério da Agricultura no controle dos agrotóxicos no Brasil.
No balanço do segundo ano do governo Lula 3, César Muñoz destaca ainda como muito positiva a investigação de ameaças contra a democracia. “Achávamos que esse passado autoritário do Brasil não voltaria mais, mas o que aconteceu nos últimos anos mostra que existem ameaças reais”, diz ele.
Para o especialista, a defesa da democracia e dos direitos humanos deve estar na pauta não apenas das instituições, mas de todos nós. Uma missão para além do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.