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Augusto Nunes

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Trapaça do tempo

PUBLICADO NA REVISTA VEJA DA SEMANA PASSADA Roberto Pompeu de Toledo “O problema da moçada da USP é a saudade de um período que eles não conheceram. Nasceram com atraso. Daí a obsessão por fantasiar um entorno de repressão e obscurantismo contra o qual “resistir”? A nostalgia da ditadura dilacera a moçada da USP especializada […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h06 - Publicado em 22 nov 2011, 20h02

PUBLICADO NA REVISTA VEJA DA SEMANA PASSADA

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Roberto Pompeu de Toledo

“O problema da moçada da USP é a saudade de um período que eles não conheceram. Nasceram com atraso. Daí a obsessão por fantasiar um entorno de repressão e obscurantismo contra o qual “resistir”?

A nostalgia da ditadura dilacera a moçada da USP especializada em ocupar prédios da Cidade Universitária. “Abaixo a ditadura na USP”, dizia um dos cartazes expostos no prédio da reitoria durante o período em que ele esteve ocupado. Com a palavra “ditadura”, atirou-se sem economia no reitor, na Polícia Militar, no governo paulista. Depois que a PM, na madrugada da última terça-feira, acabou com a ocupação, os estudantes divulgaram um manifesto em que denunciavam a ação policial como “repressão sem precedentes”, realizada “na calada da noite” e “num clima de terror que lembrou os tempos mais sombrios da ditadura militar”.

“Clima de terror” é sempre bom invocar, e, se a ação se deu antes de o sol raiar, é de rigor aplicar-lhe essa clássica das clássicas expressões da literatura policial que é a “calada da noite”, mas… Pobre meninada – não adiantou caprichar na retórica. A operação da polícia, realizada no quadro legal de uma reintegração de posse, não produziu um mísero ferido. E, depois de algumas poucas horas na delegacia, os ocupantes, livres e soltos, já estavam prontos para outra. Ainda não foi desta vez que a ditadura de seus sonhos, uma ditadura de verdade, impiedosa, sanguinária – sobretudo sanguinária, o sangue é fundamental -, fechou-se contra eles, oferecendo-lhes a chance da resistência heroica que tanta falta lhes faz na vida.

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Para quem está chegando agora a este filme, ele começou com a detenção pela PM de três alunos que fumavam maconha no câmpus. Houve resistência dos colegas, reprimida pela polícia. Em protesto, foram ocupados, primeiro, o prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e, em seguida, o da reitoria. Ora, a USP ocupa uma imensa área, com recantos ermos e mal iluminados. Ali já ocorreram assaltos e estupros. Em maio, foi morto num assalto o estudante de ciências atuariais Felipe Ramos de Paiva, fato que motivou o convênio pelo qual a PM assumiu o policiamento na área. O velho barbudo escreveu que a história, na primeira vez, se repete como tragédia, e, na segunda, como farsa. A resistência estudantil contra a ditadura deu-se no quadro da tragédia. A resistência contra a presença da PM no câmpus dá-se no da farsa. A causa é a mesma dos antigos donos do Complexo do Alemão – manter um determinado território fora do alcance das leis e instituições brasileiras, e portanto propício à prática do crime.

Outro surrado bordão do velho barbudo é que a religião é o ópio do povo. A fantasia da ditadura é o ópio da moçada encrenqueira da USP. Democracia é uma coisa mortalmente monótona. Bom era o tempo em que o porrete da ditadura atiçava a adrenalina. Desta vez o pretexto foi a maconha, mas, se não fosse, algum outro seria encontrado. Entra ano, sai ano, o mesmo programinha de protesto, ocupação de prédio e denúncia da “ditadura” sacode a USP. Os protagonistas são sempre uma minoria. Dos mais de 80 000 alunos da universidade, desta vez não mais de 2 000 se envolveram no episódio. Mas é uma minoria estridente. Conta com a boa e velha “imprensa burguesa” para dar ressonância a suas estripulias. O problema central dessa moçada é a saudade de um período que eles não conheceram. Nasceram com atraso. São vítimas de uma trapaça do tempo. Daí a obsessão por fantasiar um entorno de repressão e obscurantismo contra o qual “resistir”.

O desejo de viver em outro tempo nos conduz a Woody Allen. Em seu último filme, Meia-Noite em Paris, o personagem central é um escritor fascinado pela mítica Paris dos anos 20, a cidade em que conviviam Picasso, Gertrude Stein, Hemingway, Scott Fitzgerald, Salvador Dalí, Erik Satie, Cole Porter. Uma mágica que ocorre sempre à meia-noite o transporta realmente a esse tempo. Outra mágica, maior ainda, o transporta, dessa vez acompanhado de uma amiga, a uma Paris ainda anterior, a dos impressionistas Renoir, Degas, Monet, Manet. A amiga é tão fascinada por esse tempo que nele decide ficar. O companheiro a adverte: “Cuidado! Esse pessoal vive num tempo em que nem se conhecia a anestesia”.

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Ei, moçada da USP, acorda! A ditadura também operava sem anestesia.

Enquanto isso, em Rondônia… A Universidade Federal local encontra-se em greve desde setembro. Professores e alunos protestam contra a falta de recursos e irregularidades na administração apontadas em investigações da Controladoria-Geral da União. A causa é mais compreensível, mas Rondônia é tão longe…

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